"Zero foi desumano" diz mãe de garoto alagoano com hidrocefalia, reprovado no Enem

Publicado em 11/01/2016, às 22h34

Por Redação

Aos 8 anos, Luiz Felipe Alves Pereira aprendeu a ler, após ingressar em uma escola inclusiva em Recife (PE). Sofrendo de hidrocefalia, o garoto prosseguiu nos estudos, chegando ao Ensino Médio, onde fez simulados para o Enem, sem nunca zerar as provas. Mas o "balde de água fria" para Felipe e seus pais veio com a nota em redação este ano. Um zero "desumano", como diz  a mãe de Felipe, Mônica Nunes.

O desabafo pelo Facebook repercutiu, chegando à imprensa. Inconformada, mas incansável, Mônica, que é jornalista, vai ingressar com um mandado de segurança questionando o critério de avaliação do Ministério da Educação. 

"Ele sempre teve limitações. Mas eu fui orientada a seguir em frente. Nunca havia indicações de reprovar. Ele foi praticamente ovacionado quando foi fazer a prova. Zero é desumano. Com zero, só restam as particulares. Obrigadas a aceitar? Ele fez simulados para o ENEM no sistema SAS ( sistema Ari de Sá) do colégio que frequenta. E o MEC me deu essa "paulada" ", disse Mônica em entrevista pelo Facebook ao TNH1. 

No facebook (leia depoimento na íntegra no final da matéria), Mônica não poupou críticas. 

"Parabéns a turma de corretores do ENEM, vocês conseguiram! Deram 0 ( isso, zero), a redação de Luiz Felipe Alves Pereira na prova, anulando suas chances de ingresso através do SISU. (...) Aquela nota foi difícil digerir. Aliás, a ausência dela"

"Ele ficou 6 horas numa sala, escreveu 30 linhas e, do seu jeito, disse que mulheres não merecem ser agredidas. Mas vocês não entenderam. Vocês não leram as dificuldades de aprendizado, o preconceito e a discriminação. Vocês buscavam ortografia, gramática, semântica", disse em seu perfil na rede social.

A doença de Felipe, a hidrocefalia, é o acúmulo excessivo de líquido dentro do crânio, que leva ao inchaço cerebral, provocando problemas como pouca força muscular, déficit de atenção e declínio no desempenho escolar. (Fonte site minha vida).

"Iríamos estudar com ele"

A mãe de Felipe diz que o zero elimina qualquer chance de o filho cursar a universidade por meio do Sistema de Seleção Unifcada,o Sisu. 

"Não adianta fazer mais o Enem enquanto o critério não mudar.  Meu filho precisa de estímulo, digo que vai dar certo, luto. Se ele tivesse nota mínima, juntava com as outras e ele seria cotista. Ia para a universidade. Eu ou o pai iríamos com ele, estudar juntos", lamenta. 

"Campo de concentração?"

Consciente dos direitos de inclusão social do filho, Mônica desabafa. 

"O MEC, mesmo com mil propagandas de inclusão, faz isso. Sinceramente, não entendi. Mas também não vou me calar. Meu filho precisa de estímulo. Temos mais de 3 mil crianças nascendo com microcefalia nesse país. E aí? Vão para um campo de concentração?", disse, revoltada.

O outro lado

A reportagem do Portal TNH1 ainda não conseguiu ouvir o Ministério da Educação.

Leia o texto de Mônica publicado no Facebook na íntegra:

Parabéns a turma de corretores do ENEM, vocês conseguiram!
Deram 0 ( isso, zero), a redação de Luiz Felipe Alves Pereira na prova, anulando suas chances de ingresso
através do SISU. Se a intenção de vocês era "selecionar" os jovens para acesso à universidade, vocês conseguiram uma proeza: perderam a
oportunidade de ler além do que está escrito, colocando lá dentro quem realmente merece.
Aquela nota foi difícil digerir. Aliás, a ausência dela. 
Vocês conseguiram, fui dormir em exaustão de chorar. Mas pela manhã já me refiz para dizer: vocês não sabem ler. Não à vida que ele escreve. 
Ele ficou 6 horas numa sala, escreveu 30 linhas e, do seu jeito, disse que mulheres não merecem ser agredidas. Mas vocês não entenderam. E foi mais fácil zerar as possibilidades de quem, desde que foi gerado, tenta viver " apesar" de gente como vocês... Que não leem
além do beabá dos outros. 
Vocês não leram as dificuldades de aprendizado, o preconceito e a discriminação. Vocês buscavam ortografia, gramática, semântica... 
Felipe tem outros dons. Sobreviveu a médicos que o condenaram; a cirurgias que o moldaram; a dores que o machucaram e a gente que não o aceita. Mas ele é um cidadão. Se submeteu a essa tortura chamada ENEM, sem reclamar de nada. Ele é um cidadão respeitador da ordem. A ordem era fazer a prova. Ele a fez. 
A ordem seria ele ter uma nota. Mínima, mas que respeitasse seu esforço sob uma coluna arqueada, tentando coordenar os pensamentos que dançam em sua cabeça infiltrada de água da hidrocefalia. Mas vocês não leriam isso. 
Não leram os anos de escola, as dezenas de simulados tentando aprender essa regra desleal; nem leram a expectativa frustrada diante de uma nota em branco. Atônito, ele não entendeu mais essa. Mas resignado, ele a aceitou. Mas eu não. Segunda entro com um mandando de segurança, uma liminar, uma pedra na mão... Claro que não será fácil, nem sei se teremos alguma mudança nesse resultado. De certa forma, nem sei se quero mudar essa regra, esse jogo. 
Queria apenas que alguém que corrigiu aquela prova tivesse alguma chance de conhecê-lo, para olhando nessa olhos tão ingênuos e vendo aquele sorriso tão marcante, que nota daria para essa vida? 
Não, Felipe não precisa de nota de ninguém, de nada. Ele não veio para aprender. Ele está aqui
Para ensinar. 
Te amo
Filho. 
Olha aí o resultado! Parabéns meu anjo! Você é 10!

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