Volta de bandeiras com mastros aos estádios de SP pode influenciar a violência?

Publicado em 15/10/2021, às 23h59
Marcelo Gonçalves
Marcelo Gonçalves

Por Folhapress

Não é raro ver em imagens de arquivo partidas entre clubes paulistas com estádios lotados, torcidas rivais, baterias nas arquibancadas e enormes bandeiras tremulando com o agitar de seus mastros. Essas cenas estão apenas em acervos e na memória de quem viveu o período porque desde meados da década de 1990, sob a justificativa de controlar a violência no futebol, os governos de São Paulo foram proibindo, gradativamente, esses elementos durante os jogos.

Mas um deles está no caminho para retornar às arquibancadas: a bandeira com mastro. O objeto foi um dos temas de uma reunião entre torcidas organizadas de São Paulo com integrantes da Polícia Militar, do Ministério Público, da OAB e da Vigilância Sanitária, em setembro.

O encontro foi organizado pelo ouvidor das polícias de SP, Elizeu Soares Lopes. Segundo o próprio, a pauta das bandeiras foi a que mais avançou. A PM sinalizou de forma positiva sobre o retorno. A partir de agora, um protocolo deve ser elaborado para que a medida seja colocada em prática.

Ainda não se sabem detalhes de quais devem ser as regras, mas há a possibilidade de identificação de cada um dos itens e a designação de um responsável por eles -muitas organizadas já contam com departamentos específicos para cuidar dos adereços que podem absorver essa demanda.

Também é possível que, a exemplo dos bandeirões e faixas, as bandeiras com mastro fiquem dentro do estádio em vez de serem transportadas no dia da partida. "Em nenhum momento a presença ou não de mastros de bandeiras nos estádios aumentou ou diminuiu o potencial de beligerância e de confronto entre esses grupos de torcidas", afirma Bernardo Buarque de Hollanda, pesquisador de Ciências Sociais na FGV que estuda as organizadas.

Para Alex Minduim, presidente da Anatorg (Associação Nacional das Torcidas Organizadas), a liberação tende a diminuir, não aumentar as ocorrências. "Preparar a bandeira dá trabalho e um trabalho positivo. Você precisa chegar cedo, separar o bambu, lavar... E aí você vai formando uma geração que já não pensa no conflito, mas na festividade, esse é nosso raciocínio. Quanto mais perto da arquibancada, menos jovens nós teremos nesses pequenos grupos que buscam o conflito", afirma.

"A primeira percepção de todos ali [no encontro] é que é possível voltar pelo menos com as bandeiras, desde que isso tenha um protocolo de como funcionar. Claro que tem outras reivindicações [das torcidas] que não serão aceitas, mas me parece razoável, depois de mais de 20 anos, você sentar numa mesa e debater [esses temas]", afirmou o ouvidor Lopes.

As bandeiras com mastro estão proibidas desde dezembro de 1996. À época, o governador Mário Covas sancionou a lei que vetou "a venda, a distribuição ou utilização" de, entre outros objetos, "hastes ou suportes de bandeiras" nos estádios.

O motivo foi a final da Supercopa São Paulo de Futebol Júnior do ano anterior, entre São Paulo e Palmeiras, que terminou com vitória alviverde e briga generalizada entre as duas torcidas no estádio do Pacaembu. Segundo a Folha noticiou na ocasião, foram 80 torcedores feridos, além de 22 policiais. O são-paulino Márcio Gasparin da Silva, então com 16 anos, morreu. À época, o Pacaembu passava por uma reforma no Tobogã (hoje demolido) e os objetos da construção foram utilizados na briga.

O evento ficou marcado também por ter sido a primeira vez que uma briga de torcidas foi a julgamento. Por outro lado, houve apenas um punido: Adalberto Benedito dos Santos foi condenado a 14 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado.

A confusão também causou a extinção das torcidas Mancha Verde e Independente, que conseguiram continuar na ativa usando nomes análogos. A família de Márcio também tentou responsabilizar a Prefeitura de São Paulo, administradora do estádio, na Justiça, mas perdeu a causa.

"É paradoxal, porque [os mastros] foram um dos únicos itens que não estiveram presentes diretamente nessa briga", diz Hollanda, que lembra ainda que o retorno dessas bandeiras chegou a ser aprovado em 2011, pela Assembleia Legislativa paulista, mas vetado pelo governador Geraldo Alckmin.

No total, 16 organizadas se encontraram com a polícia e o Ministério Público -14 no primeiro encontro e mais duas em um segundo momento. Para Elizeu Lopes, chamou a atenção que o evento foi uma iniciativa das organizadas, que também trouxeram outras pautas, como o fim das torcidas únicas, algo que o ouvidor não acha que vá mudar agora.

"Fala-se da questão da violência, mas se fala muito pouco da violência policial que o torcedor passa dentro dos estádios", diz Minduim. "O policial foi preparado para um choque, um conflito social. Você não tem um intermediador como a própria Tropa de Choque faz em grandes manifestações", continua.

"Nós trouxemos esse debate de um mediador no dia dos jogos. Outro ponto que eu acho razoável é que os policiais têm de estar com as câmeras acopladas aos seus coletes. Isso protege o policial e também os torcedores", concorda Lopes. Hollanda acrescenta ainda que na Europa, por exemplo, foi retirado o policiamento de dentro dos estádios e se criou a figura do "steward", o segurança especializado para atuar naquele ambiente e controlar as torcidas.

Os três concordam que é preciso que se realize um trabalho de prevenção aos conflitos, não só de atuação após as brigas. E, se elas acontecerem, será necessária uma atuação das instituições do Estado para identificar e punir os indivíduos responsáveis pela violência.

A Anatorg reivindica que as bandeiras com mastro sejam a primeira de uma série de mudanças, como a volta das baterias e de outros instrumentos musicais, o fim das torcidas únicas, o aumento da área reservada para as organizadas e até o fim da setorização -as entidades poderiam se distribuir por toda a arquibancada.

"Você também tem que ter preços de ingressos acessíveis para que o torcedor de baixa renda possa usufruir das benesses de que uma arena dispõe. Se você leva em consideração o salário mínimo hoje [R$ 1.192,40], ir ao estádio é totalmente inviável. E aí, em vez de se formar uma geração apaixonada por futebol, forma-se uma geração totalmente desacreditada no futebol", completa Minduim.

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