A gente só vive uma vez? Uma parte considerável do mundo religioso discordaria desse ditado, e isso não é novidade. Atípico mesmo é quando a ciência começa a puxar esse assunto.
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O Nupes (Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde), da Universidade Federal de Juiz de Fora, lançou o chamado em março: "Estamos interessados em pessoas que acreditem ter memórias de supostas vidas passadas".
Mais de 350 pessoas levantaram a mão: responderam um formulário online detalhando a experiência e também sua biografia.
A pesquisa é feita em parceria com a Universidade da Virgínia (EUA) e financiada pela portuguesa Fundação Bial –com histórico de investir em estudos sobre parapsicologia.
O que os pesquisadores querem de cara: uma "descrição bem detalhada" da suposta vivência anterior, como nomes, traços físicos, lugares e circunstâncias relacionadas à morte do "eu" passado.
A pessoa ainda precisará responder se "tem chorado muito", sofre com dor de cabeça ou má digestão, vê programas religiosos e pensa em Deus muito ou nada etc.
"São itens de questionários comumente usados em pesquisas científicas para avaliar a saúde mental e felicidade", diz Alexandre Moreira-Almeida, coordenador do Nupes e presidente da seção de religião e espiritualidade da Associação Mundial de Psiquiatria.
As respostas ajudarão em duas frentes, diz ele: traçar um perfil amplo do brasileiro que evoca encarnações passadas; e investigar alegadas recordações para ver se são "fatos, tendências ou perfis de personalidade", mapear idade e contexto em que costumam surgir e se têm qualquer "compatibilidade com a vida de alguma pessoa falecida".
O caso de Thusita, 8, virou um clássico entre pesquisadores. Publicado em 1991 por Erlendur Haraldsson, da Universidade da Islândia, o estudo encontrou a garota no Sri Lanka que, desde miudinha, tagarelava sobre como viveu -e morreu- numa cidade a 50 km da sua. Aos dois anos, segundo familiares, apresentou-se: "Eu sou de Akuressa, o nome do meu pai é Jeedin Nanayakkara". E contou sua história: afogou-se após cair de uma ponte estreita. Tinha marido. Estava grávida.
Numa visita à cidade de Akuressa, localizou, sim, uma família Nanayakkara. Moravam perto de uma ponte para pedestres, e em 1973, uma nora caiu dela. Chandra Nanayakkara tinha 27 anos quando morreu. O professor anotou 28 afirmações de Thusita para ver quais batiam com a vida dela: 17 corretas, 7 falsas, 4 indeterminadas.
De acordo com o Nupes, o Departamento de Psiquiatria da Universidade de Virgínia catalogou mais de 2.000 experiências semelhantes. A maioria partiu de crianças de entre 2 e 6 anos.
O grosso dos cientistas vê possibilidades como a da autossugestão, que seria a nossa própria mente querendo nos convencer de algo que já flanava pelo nosso subconsciente.
Palavras de Moreira-Almeida: "Vale dizer que, exceto nos casos de fraude, as experiências são 'válidas' ou 'reais' no sentido de as pessoas realmente as estarem vivenciando. Devem ser acolhidas com empatia".
Uma ala mais cabeça aberta da comunidade científica se questiona: OK, mas e como explicar fenômenos como a xenoglossia, a capacidade de alguém, sem nunca na vida ter entrado em contato com um idioma, passar a falá-lo como se fosse um fluente? Crianças pequenas, inclusive.
Nem sempre a memória de quem fomos, seja ela verdadeira ou não, vem espontaneamente. Para isso há a chamada terapia regressiva.
Para quem não entendeu, André Diniz, 43, desenhou. Quadrinista, ele lançou em 2009 "7 Vidas - A Aventura de uma Pessoa em seus Passados", HQ autobiográfica com narrativas que incluem ser um órfão peruano e um sacerdote religioso na Itália.
André conta que, em dados momentos, viu coisas que sequer sabia que existiam, como casas sem teto no Peru e o uso do óleo de gordura de foca como combustível. Quando pesquisava depois, descobria que eram reais.
O mesmo argumento que José Mário Franqueira, 42, dá à reportagem em seu EvoluirDaMente, espaço na zona oeste carioca que cobra R$ 200 por consulta de regressão.
Com luzes apagadas e música relaxante, o terapeuta inicia uma indução hipnótica pedindo que você, deitado, pense em imagens como uma escada que precisa ser descida. Dali em diante, você tem que falar, sem freios, o que vem à cabeça. No começo parece que não vai dar certo, até que a pessoa descreve pedaços de vida passada. Como spoilers de um capítulo que já passou.
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