Violência afasta torcida, gera prejuízo, e ameaça tradição do futebol em Alagoas

Publicado em 17/10/2017, às 18h37

Por Redação

A selvageria e as cenas de violência explícitas mostradas em vídeos e fotos pela imprensa, ao final da partida entre CSA e CRB, na decisão do Campeonato Alagoano de 2016, foi apenas mais um exemplo, entre tantos presenciados em estádios do Brasil e do mundo, de quando tudo o que há de lúdico, democrático e educativo no futebol dá lugar à violência e à barbárie. Quando o amor ao clube dá lugar ao ódio e transforma ‘torcedores’ em gladiadores dispostos a matar ou morrer.

As consequências daquela tarde no estádio Rei Pelé atingiram diretamente os dois clubes mais tradicionais de Alagoas. Mandante da partida, responsável pela segurança do jogo, o CSA perdeu seis mandos de campo, enquanto o CRB perdeu cinco. Ambos também foram multados em R$ 5 mil. A punição foi estabelecida pelo Tribunal de Justiça Desportiva de Alagoas (TJ-AL) e mantida pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), uma vez que as equipes recorreram.

Por causa das sanções a CSA e CRB, o Campeonato Alagoano de 2017 foi marcado por uma sequência de batalhas judiciais e preocupações financeiras. O principal espetáculo do futebol alagoano, o tradicional Clássico das Multidões, passou a acontecer com a presença apenas da torcida do time dono do mando de campo.

Em meio ao cenário descaracterizado pela violência dos torcedores, o TNH1 ouviu jogadores, entidades, e juristas para levantar a discussão não apenas da óbvia necessidade do fim da violência nos estádios, mas também da cada vez mais recorrente prática dos clubes de buscar na Justiça e nos tribunais as decisões favoráveis aos seus interesses.

Batalhas judiciais x finanças dos clubes

Além de não poderem atuar no estádio Rei Pelé, a punição para as equipes restringia a presença do público, ou seja, as partidas teriam que ser realizadas com portões fechados. Sem receita prevista para as rodadas iniciais, os clubes consequentemente amargaram prejuízo financeiro com o deslocamento para cidades vizinhas, além do aluguel do campo de jogo e outras despesas.

A primeira tentativa de CSA e CRB de se esquivar desses déficits foi abrindo os portões e comercializando ingressos para partidas fora de Maceió. Já descumprindo a determinação do STJD, no dia 27 de janeiro, os times ainda acionaram na Justiça Comum e conseguiram uma liminar através da 13ª Vara Cível da Capital para voltar a atuar no Trapichão.

"Primeiro que a gente tem que ter a ideia de que os clubes, ao meu sentir, erraram ao procurar a Justiça Comum. Os clubes aderem a uma competição, tem o regulamento da competição, portanto, eles sabem quais são os direitos e deveres que devem cumprir. Naquele caso específico, os clubes preferiram uma via alternativa, que foi buscar a Justiça comum, sem esgotar a via da Justiça Desportiva. Isso é expressamente proibido tanto pelo Estatuto da Fifa como pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva", explica o advogado Carlos Pedrosa, especialista em direito esportivo.

Apenas o Alvirrubro conseguiu usufruir desta liminar, somente em uma partida.

No dia 03 de fevereiro, o STJD suspendeu o campeonato e intimou CSA, CRB e Federação Alagoana de Futebol (FAF). No dia seguinte, o próprio STJD atendeu ao pedido da FAF, após os clubes recuarem quanto à decisão da Justiça comum, e retirou a suspensão do estadual, mas manteve intimadas as três partes.

Em novo julgamento, no dia 13 de fevereiro, o Tribunal seguiu com as punições de suspensão dos mandos de campo de CSA e CRB, fixou multa de R$ 50 mil para Federação Alagoana de Futebol (FAF) e ainda multou cada clube em R$ 20 mil, agravando ainda mais o prejuízo.

Somente a partir de então, os dois rivais passaram a cumprir a pena de acordo com a decisão do STJD. Em menos de um mês de competição, os clubes conseguiram quadruplicar as multas e desgastar os setores jurídicos.

Torcida mista, única ou sem torcida?

“Para quem é atleta, jogar sem torcida é muito ruim. Tem muita coisa envolvida com os torcedores. A gente joga para torcida. O clima fica diferente, a ansiedade para o jogo diminui e fica um clima mais de amistoso”. A descrição acima é do volante Yuri, do Clube de Regatas Brasil, que analisou justamente um dos cenários vivido pelos jogadores neste ano.

Após a primeira parte das brigas nos tribunais, uma nova batalha envolveu diretamente o lado azul e o lado vermelho. 2017 reservou sete partidas entre CSA e CRB. Pela Copa do Nordeste, o clássico tradicional: duas torcidas no estádio e cofres cheios.

No Alagoano, as punições sofridas deram margem a um fato inédito: dois Clássicos das Multidões com as arquibancadas vazias. Primeira vez na história que as equipes entraram em campo sem a presença de torcedores. Resultado: ruas vazias e dois empates em clima de amistosos – sem o tradicional brilho do espetáculo.

“O impacto foi negativo. Futebol sem torcida não existe. Se para o futebol é ruim ainda tem o impacto financeiro para os clubes. Fora que também puxa a média de público para baixo. De maneira geral é negativo para todos, inclusive para a Federação”, afirmou o presidente da Federação Alagoana de Futebol, Felipe Feijó.

A partir do Hexagonal decisivo do Campeonato Alagoano de 2016, mais batalhas extracampo foram travadas à exaustão. Como medida de segurança, o Ministério Público havia solicitado torcida única para as partidas entre as equipes. Um acordo extrajudicial assinado em ata por membros de órgão da Segurança Pública, do Tribunal de Justiça, dos clubes e da FAF já recomendava torcida única.


“Isso é o reflexo claro e cristalino da nossa sociedade. A gente chega nesse ponto porque basicamente as pessoas não conseguem ter responsabilidade, o poder público não consegue punir e como uma maneira de tentar resolver o problema de maneira mais simples, todos são punidos. É um reflexo claro do problema social que vivemos. O futebol está inserido nisso e talvez seja a representação mais forte da nossa sociedade. Então, fica impossível imaginar que a coisa vai melhorar do jeito que está. Não se ataca o problema na origem, o estado não vai atrás de punir as pessoas e dar a elas a responsabilidade que devem ser, ou seja, se você é criminoso e bagunceiro o estádio de futebol não é o seu lugar”, concluiu o advogado Carlos Pedrosa.

Porém, uma nova manobra gerou mais dúvidas. O CRB entrou com um Mandado de Garantia exigindo a carga mínima de ingressos para o clássico. Medida que foi derrubada pelo TJ e os duelos seguintes apresentaram apenas uma cor nas arquibancadas.

“O bonito do futebol é ter as duas torcidas no estádio, em paz e fazendo a festa. O futebol é alegria. Infelizmente tivemos esses problemas, mas é importante vermos crianças, idosos, e familiares nos estádios, é isso que a gente quer ver. Nada melhor do que ter duas torcidas, sabendo que é só futebol e é algo que vai trazer alegria”, comentou o zagueiro Leandro Souza, do CSA, que também sentiu na pele as diferenças dos clássicos jogados nesta temporada.

Finais

Os reflexos da batalha campal vivida em 2016 afetaram todo o decorrer do campeonato seguinte e não foi diferente na grande decisão. Com mais um feito inédito, Galo e Azulão decidiram a competição com torcida única. A partida definitiva, inclusive, terminou com o título do CRB sendo comemorado para um estádio vazio, afinal, o mando foi do Centro Sportivo Alagoano.

“Foi até estranho, acabou o jogo e a gente não tinha com quem comemorar e ficamos um pouco perdido em campo. Virou mais uma brincadeira contra o rival do que a comemoração em si do título” lembra Yuri.

Opinião

Em edição especial do Pajuçara Futebol Clube (PFC) para o Portal TNH1, os jornalistas Bruno Protasio e Henrique Pereira, e o comentarista Marlon Araújo analisaram as disputadas judiciais, as manobras adotadas pelos clubes, quase todas as vezes com o aval da Federação Alagoana de Futebol e todo o desenrolar das ações e as consequências desses eventos que deixaram a disputa nas quatro linhas por diversas vezes sem segundo plano.

Ouça o debate do PFC

Projeção para 2018

“Quando a gente entra em campo e vê uma torcida vibrando, a outra respondendo, é o que a gente gosta. Dentro de campo esse clima nos contagia e isso é o que queremos ver. Espero que daqui pra frente isso possa mudar, porque faz muita diferença”, afirmou o zagueiro azulino Leandro Souza.

A próxima temporada pode ainda reservar um embate ainda mais especial entre CRB e CSA: pela Série B do Campeonato Brasileiro. Pensando nisso e também nos demais pelo campeonato estadual, o presidente da FAF afirma que a ideia é retomar as partidas com o azul e o vermelho no estádio.

“As precauções aumentaram, mas de certa forma medidas efetivas para resolver o problema não foram tomadas. Fizemos reuniões com Conselho de Segurança, Ministério Público, mas na verdade pouco fizemos de efetivo para a solução do problema. Acho que o problema é muito maior que isso e não é torcida única que vai resolver”, afirmou Felipe Feijó

Sabendo da complexidade das causas que levam à violência no futebol, afinal, clássicos em diferentes regiões do país também estão sendo disputadas com apenas uma torcida, Feijó acredita que uma solução precisa ser trabalhada em parceria com clubes e órgãos de Segurança Pública. “Não é possível que não possamos realizar clássicos com duas torcidas. Será um novo ano, vamos poder sentar e pensar em uma solução”, concluiu.

Gostou? Compartilhe