Apesar de haver uma legislação específica que trata especificamente de saneamento, no Brasil há cerca de 90 milhões de pessoas sem acesso à coleta de esgoto e 32 milhões não dispõem de água potável na torneira.
A indiferença do gestores públicos, apesar dos calorosos discursos de campanha sobre esse tema, é que contribui para isso, segundo revela o jornalista Vinicius Doria:
“O Marco Legal do Saneamento completa, hoje, quatro anos de vigência, com poucos avanços para a população mais pobre. Cerca de 90 milhões de brasileiros seguem sem acesso à coleta de esgoto, e 32 milhões não têm água potável na torneira, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). O marco estabelece que, até 2033, todos os municípios devem atender a 99% de suas populações com abastecimento de água e ampliar a rede de esgotamento sanitário para 90% dos habitantes.
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Segundo a ONG Trata Brasil, entre 2018 e 2022 (último ano com dados disponibilizados pelo SNIS), o atendimento de água evoluiu apenas 1,3 ponto percentual; a coleta de esgoto foi ampliada em 2,85 p.p.; e o tratamento dos resíduos cresceu 5,98 p.p. em relação à realidade anterior à aprovação do marco legal. “Embora o indicador de tratamento de esgoto tenha mostrado a melhor evolução, segue sendo o mais distante da meta de universalização”, ressalva o relatório Avanços do Novo Marco Legal do Saneamento do Brasil de 2024, organizado pelo Trata Brasil em parceria com a GO Associados.
Um dos principais problemas apontados pelo estudo é a absoluta falta de capacidade econômico-financeira de quase 10% dos municípios brasileiros para cumprir as metas de universalização estabelecidas. Segundo o Decreto 11.598/2023, 1,7 mil municípios foram isentos de apresentar a documentação exigida pelo Poder Público para comprovar os compromissos com as empresas de saneamento, enquanto 2,9 mil estão em situação absolutamente regular, e 344 foram considerados regulares com alguma espécie de restrição.
Ainda há 579 municípios com contratos irregulares com as companhias que prestam o serviço e que apresentam índices de saneamento básico piores do que a média nacional. Quase 10 milhões de pessoas vivem nessas cidades — a grande maioria no Norte e no Nordeste —, que apresentam índices preocupantes: 68,88% dos habitantes têm acesso à água e somente 26,61% são atendidos com coleta de esgoto, o que significa que apenas 30% do esgoto gerado é efetivamente tratado. Para piorar, essas comunidades jogam fora 47,33% da água potável por problemas nos sistemas de distribuição.
‘Os moradores dessas cidades, infelizmente, não têm a perspectiva futura de universalização do acesso ao saneamento básico’, lamenta a presidente executiva do Trata Brasil, Luana Pretto. Ao Correio, ela disse que os municípios ‘precisam entender qual vai ser o modelo de gestão a ser adotado, se será uma PPP (parceria público-privada), uma concessão ou uma operação municipal, de forma a garantir que esses investimentos aconteçam e que esses moradores tenham uma perspectiva melhor de futuro’.
Para efeito de comparação, segundo o Trata Brasil, os municípios em situação regular investiram, por habitante, quase três vezes mais do que os irregulares. ‘Aproximadamente 5% da população brasileira reside em municípios cujos contratos encontram-se em situação irregular em relação à prestação dos serviços básicos. Esse índice é superior a 55% em estados como Acre, Paraíba e Piauí, chegando a 100% dos municípios, como o caso de Roraima’, aponta o relatório.
‘Reitera-se a importância da comprovação de capacidade econômico-financeira, pois mensura a habilidade dos prestadores em viabilizar os investimentos necessários à universalização dos serviços em tempo hábil até 2033, conforme estabelecido pelo Novo Marco Legal do Saneamento Básico’, destaca a organização.
Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (PlanSab), do Ministério das Cidades, estima-se a necessidade de aproximadamente R$ 551 bilhões (atualizados a preços de julho de 2022) para que as metas de universalização sejam alcançadas. Os valores não consideraram os investimentos feitos entre 2021 e 2022 de, aproximadamente, R$ R$ 19,2 bilhões e R$ 22,5 bilhões (valores atualizados em julho/22), respectivamente.
O resultado é que ainda falta investir um montante de R$ 509 bilhões no sistema. Dividindo-se esse valor pelo período de 11 anos, serão necessários investimentos anuais de R$ 46,3 bilhões por ano, em média. Mas, nos últimos cinco anos, essa média anual ficou em R$ 20,9 bilhões, menos da metade do que é necessários para cumprir a meta de universalização em 31 de dezembro de 2033.
O Trata Brasil estima que o país precisa de um investimento médio superior a R$ 230 reais por habitante para cumprir as metas do Novo Marco Legal do Saneamento. Nos municípios irregulares, o investimento é de apenas R$ 27,39 per capita. ‘Em ano de eleições municipais, é fundamental que o saneamento seja uma das prioridades nas propostas dos candidatos, uma vez que a universalização não ocorrerá sem maior engajamento dos decisores públicos’, recomenda o estudo.
‘Esses indicadores crescem de forma tão lenta porque, infelizmente, no nosso país, a gente vive uma realidade em que os políticos entendem que obra enterrada não dá voto. E nós, como cidadãos, muitas vezes, não cobramos o avanço do acesso à água tratada e ao esgotamento sanitário’, concluiu Luana Pretto’.”
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