O Brasil poderia sofrer duplamente caso se confirmem um repique da inflação nos Estados Unidos e uma desaceleração econômica mais forte na China.
É o efeito do cenário geopolítico internacional no mercado brasileiro.
Quem analisa a questão é o mestre em ciência política Sílvio Cascione:
“Há duas semanas, argumentei que o bom momento da economia brasileira deixa o cenário político mais previsível nos próximos meses. Com o mercado de trabalho aquecido e inflação controlada, a popularidade de Lula se mantém perto de 50%, deixando o presidente com mais influência sobre o Congresso e confiante nas decisões de sua equipe econômica.
Isso significa que o arcabouço fiscal de Fernando Haddad se mantém de pé, ainda que com credibilidade em dúvida; e o Banco Central, com Gabriel Galipolo, pôde subir osmjuros neata quarta-feira sem causar uma crise política.
Esse equilíbrio de curto prazo, porém, pode mudar significativamente a depender do cenário internacional. Qualquer prognóstico para a segunda metade do mandato de Lula precisa levar em conta o contexto geopolítico global, e em especial os efeitos da eleição norte-americana sobre os mercados e as relações diplomáticas com China, Europa e Oriente Médio.
Existe potencial para muito mais instabilidade, com impacto direto sobre a governabilidade no Brasil se as condições internacionais piorarem.
Não há, hoje, um favorito claro para assumir a Casa Branca em 2025. Kamala Harrris tem plenas condições de vencer a disputa, como demonstrou no recente debate televisivo. O viés mais forte, porém, é a favor de Donald Trump. Isso se deve, entre outros motivos, à insatisfação do eleitorado com o custo de vida, que continua alto, e com a imigração. Ainda assim, qualquer que seja o resultado, ele será decidido por detalhes, dada a forte polarização política nos Estados Unidos.
Nas próximas semanas, à medida que a campanha se intensifica, será muito importante analisar os detalhes das propostas para pensar sobre os potenciais impactos sobre o Brasil. Isso vale especialmente para Trump, por representar a maior mudança em relação ao quadro atual, e pelo radicalismo de várias de suas propostas.
Um dos maiores riscos para Lula é o de que um novo governo Trump leve o Federal Reserve a interromper o ciclo de corte de juros que acabou de começar, dado o risco de maior inflação. Trump promete mais do que dobrar as tarifas comerciais sobre produtos chineses e deportar milhões de trabalhadores sem visto de permanência. Mesmo que ele não cumpra nem metade do que está prometendo, o impacto sobre os mercados pode ser forte.
Existe a possibilidade de um acordo entre Estados Unidos e China, que poderia atenuar esses riscos para 2025 e 2026, pelo menos na agenda comercial. Porém, em um cenário pessimista, o Brasil poderia sofrer duplamente com a piora das condições geopolíticas. Por um lado, inflação e juros maiores nos Estados Unidos reduziriam o fluxo de capitais para o Brasil, encarecendo ainda mais o custo de financiamento do governo e das empresas.
Por outro lado, a China pode ver sua economia desacelerar ainda mais, também com efeitos negativos para o Brasil; a queda dos preços das commodities diminuiria as receitas do governo, enquanto a vazão de produtos importados — aço, veículos elétricos etc. — pressionaria ainda mais a indústria brasileira.
O consolo, neste cenário, seria ver um aumento mais suave dos juros no Brasil. Mesmo assim, seriam condições mais exigentes para o governo do que em 2023 e 2024, com menor margem para erros.”
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