Contextualizando

Uma faceta da mais alta corte do judiciário brasileiro: “Dias Toffoli: abraço de tamanduá, lágrimas de crocodilo”

Em 19 de Outubro de 2024 às 17:31

Muitas vezes a vida imita a arte.

Numa cena da séria de TV “O Mecanismo” foi dito: “A gente vai sair daqui, vai todo mundo embora, foi pro Supremo, estamos livres, pessoal, foi pro Supremo”.

Certas decisões da mais alta corte do judiciário brasileiro dão razão a essa afirmação, como explica Ricardo Kertzman:

“O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, durante sessão na segunda turma, quarta-feira, 16, ao comentar sobre a anulação de provas e atos relativos à Lava Jato, com voz suave, olhinhos apertados, testa franzida e tom melodramático, declarou:

Nós fazemos isso com muita tristeza, porque é o Estado que andou errado; o Estado investigador e o Estado acusador. E o Estado juiz está para exatamente colocar os freios e contrapesos, para garantir aquilo que a Constituição dá ao cidadão, que é a plenitude da defesa. Então, vejam as senhoras e os senhores, que é lamentável quando nós temos que realmente declarar nulo um ato de Estado. Mas o erro foi cometido na origem”.

O chororô – que pareceu mais falso que uma nota de três reais – se deu no mesmo dia em que o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, pediu o arquivamento de uma petição do próprio ministro, para investigar, sob argumentos completamente falaciosos, a ONG alemã Transparência Internacional, que, em janeiro deste ano, divulgou relatório rebaixando o Brasil em dez posições em 2023, nos colocando no 104º lugar entre 180 países avaliados, em um ranking de percepção de corrupção.

Lágrimas de crocodilo

Toffoli, como é sabido, tem anulado monocraticamente acordos de leniência e condenações de empresas e réus confessos, que, inclusive, não apenas apresentaram provas dos próprios crimes como devolveram parte do dinheiro roubado. Dentre as empresas corruptas encontra-se a J&F, dos irmãos Batista, onde a esposa do ministro, Roberta Rangel, atuou como advogada, e seu ex-colega de Supremo, Ricardo Lewandowski, parecerista.

Dias atrás, a J&F patrocinou um evento, na Itália, e Toffoli, junto a outro supremo togado, o ministro Barroso, lá estava, palestrando sem medo de ser feliz. Agora, posa de tristinho e ainda se diz injustiçado, pois, segundo ele, ninguém fala das “centenas de decisões” que tomou, recusando a anulação de atos relativos aos corruptos flagrados pela força-tarefa da Lava Jato.

A expressão “lágrimas de crocodilo” vem da falsa impressão de que os bichos choram ao mastigar suas presas. Porém, é a pressão sobre as glândulas salivares e lacrimais que acaba fazendo com que lágrimas escorram dos olhos dos répteis. O olhar lânguido de Toffoli não convenceu ninguém, mas, ao menos, o ‘amigo do amigo de meu pai’ não verteu gotas de falsidade pelos olhinhos apertados.

Abraço de tamanduá

Outra expressão bastante conhecida é “abraço de tamanduá”. Muitos acreditam que o mamífero abraça suas vítimas para estrangulá-las, mas não é bem assim. O bicudo abre os abraços quando se sente ameaçado, a fim de ganhar espaço e demonstrar força. Quem se lembra do abraço de Toffoli em Jair Bolsonaro, à porta da mansão ministerial, lá pelos idos de 2020, quando a descoberta das rachadinhas no gabinete do bolsokid Flávio, na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro), tirava o sono do clã mais ‘patriota’ do Brasil?

À época, de tamanduá o abraço não teve nada. Ao contrário. Ministro e presidente, entre nacos de pizza e goles de tubaína, selaram a paz que garantiu ao senador a tranquilidade necessária para atuar em desfavor da abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado, a CPI da Lava Toga, que pretendia investigar, também, o próprio Dias Toffoli, ao mesmo tempo em que viu a investigação contra si, no COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ser suspensa para, posteriormente, restar abandonada.

Enquanto Toffoli chora e abraça, o Supremo Tribunal Federal permanece sob severas críticas da sociedade, a população sente-se um pouco mais machucada e aquela gente poderosa, enroscada na mais alta Corte de Justiça do país, como na célebre cena da série de TV, O Mecanismo, grita feliz e comemora: ‘A gente vai sair daqui, vai todo mundo embora, foi pro Supremo, estamos livres, pessoal, foi pro Supremo’.

Dizem que a vida imita a arte. Não sei. Às vezes me parece o contrário.”

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