Há muito tempo não havia em Alagoas manifestações de solidariedade e pesar tão relevantes como as verificadas com o falecimento de Benedito de Lira, que encerrou sua trajetória neste plano como prefeito reeleito de Barra de São Miguel.
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O seu velório, iniciado ontem à tarde, tem sido marcado pela presença maciça de pessoas de todo o Brasil, de várias correntes ideológicas, que vieram pessoalmente se despedir daquele que dedicou sua atividade política a servir e a cultivar amizades.
Sem contar as diversas entidades e instituições, de Alagoas e de outros Estados, que externaram seu apreço a Benedito de Lira - inclusive a Presidência da República, através do seu titular, Luiz Inácio Lula da Silva.
No exercício de inúmeros mandatos eletivos, em várias instâncias - vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal e senador -, Benedito passou a imagem de político conservador, "de direita".
Mas ele nem sempre foi assim, como revela o historiador e jornalista Ediberto Ticianelli em seu portal "Contexto Alagoas".
Pelo aspecto curioso e inédito tornado público por Ticianelli (também arquiteto, ex-vereador de Maceió e antigo militante do PC do B), seu texto, intitulado "O camarada Biu de Lira", merece reprodução:
"Conheci o Benedito de Lira quando estudei no Colégio Élio Lemos. Ele era um dos funcionários que cuidavam da disciplina dos alunos fora das salas de aula.
Depois, tive vários contatos com ele por causa da política. Num desses encontros, ele se referiu a mim como 'camarada', lembrando minha então filiação ao PCdoB. Retribui dizendo que éramos mesmo 'camaradas', pois conhecia a ficha dele no SNI. Ele riu muito e perguntou como obtivetal dossiê. Expliquei que tinha sido fruto de uma pesquisa sobre a repressão policial durante o regime militar.
Ficou curioso em saber o que tinha nessa ficha. Garanti que era o suficiente para nos tratarmos como 'camaradas'. Rimos juntos e o tranquilizei dizendo que somente divulgaria essas informações quando não mais pudessem interferir em sua carreira política. Ele me liberou para usá-las, mas preferi mantê-las nos arquivos.
Como hoje, 14 de janeiro de 2025, o 'camarada' Biu de Lira partiu, acho que posso divulgar a razão de tal tratamento.
No documento do SNI, datado de 14 de novembro de 1984 e com carimbo de CONFIDENCIAL, consta que era filho de Manoel Pereira Filho e de Francelina Maria da Conceição. Nasceu em Junqueiro, Alagoas, no dia 1º de maio de 1942, onde foi vereador em 1966.
O que importa para esse depoimento é o que está escrito sob o título 'Atividades Subversivas'. Vou transcrever os três pontos:
— Em 1960/63, como aluno do Aprendizado Agrícola de Satuba/AL, foi sempre o cabeça de todos os movimentos esquerdistas irrompidos naquela escola, a ponto de provocar o seu fechamento. Trabalhou no jornal comunista VOZ do POVO, extinto em 1964.
— Em 1964, foi presopelo DOPS/AL, não sendo indiciado em IPM graças ainterferência do Arcebispo de Maceió, D. Adelmo Machado.
— Como estudante de Direito, desenvolveu intensa campanha esquerdista, juntamente com outros subversivos, anteriormente à Revolução de 1964.
Mesmo militando politicamente em campo oposto ao dele, sempre mantive com o 'camarada' Biu de Lira uma relação respeitosa, no que era retribuído. Quando nos encontrávamos, sempre surgia a conversa sobre o seu passado como atuante líder estudantil.
Ao prestar-lhe esta homenagem, revelando sua participação política quando ainda jovem, envio também condolências aos seus familiarese amigos.
Vá em paz, 'camarada' Biu de Lira."
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