Contextualizando

Um choque de realidade em terceiro mandato

Em 18 de Janeiro de 2025 às 17:00

Por Bruno Soller:

"O ano era 2006, duas décadas atrás, Lula anunciava que o Brasil criara 4,6 milhões de novos empregos sob sua gestão.Luiz Marinho, ministro do Trabalho, o mesmo de hoje, era já dado como virtual prefeito de São Bernardo do Campo, terra de Lula e pela veia laboral, na eleição municipal vindoura de 2008. Lula entregava uma resposta ao final desanimador do governo FHC, em que a taxa de desemprego cresceu 38%, durante o segundo mandato, incentivado pelas crises nos países emergentes, como a do México, a da Rússia e a quebra da Argentina.

Os dados de 2024, mostram um Brasil que cria 3,18 milhões de empregos, mas o efeito disso prático na economia e na relação com Lula parece não mais impactar. O mundo depois de quase 20 anos é outro, absolutamente diferente, e com prioridades geracionais extremamente distintas. O que parece, no entanto, é que, apesar dessa imensa transformação, Lula não mudou e o que está transmutando é como as pessoas o enxergam.

A relação das novas gerações com o trabalho formal é muito distinta daquela que moldou a construção de vida dos mais velhos. As novas formas de remuneração, com a internet sendo um mundo fértil para se buscar dinheiro, seja por vendas online, apostas, jogos, exposições pessoais em plataformas como o TikTok, ou até mesmo em destinadas ao público adulto, além dos novos lastros financeiros, como as criptomoedas e os trabalhos por empreitada de entregas e caronas, que não geram mais a relação patrão e empregado são a nova realidade imposta e sobre isso é que se espera de um governo mais atenção.

A obsessão pelos direitos trabalhistas varguistas tem ficado para trás e o jovem no mercado de trabalho quer saber do seu dinheiro mais livre, com menos encargos e tem menos preocupação com posses e propriedades. A relação entre os mais jovens e a aposentadoria mostra isso. De acordo com o Serasa Experian, mais de 60% dos jovens entre 16 e 24 anos não pagam o INSS, por exemplo.

A crise do serviço público, que entrega uma experiência quase sempre frustrante para as pessoas e o encarecimento da vida como um todo, tem feito o brasileiro rejeitar cada vez mais a lógica do welfare state, o chamado estado de bem estar social, implementado pelo alemão Otto von Bismarck e perseguido por muito tempo pelos governos brasileiros.

A lógica da dinâmica do modelo governamental é de que o Estado vira um agente regulamentador, devolvendo em forma de serviço os tributos pagos pela sociedade. Cobra-se caro, mas, em tese, o governo devolveria uma boa saúde, educação de qualidade, transporte digno e segurança. A realidade brasileira, todavia, é a de se pagar muito tributo e esperar horas a fio na unidade de saúde, sonhar em colocar os filhos em uma escola particular, buscar alternativas para os transportes superlotados e sucateados, além de ter que pagar seguros e viver com medo ou sob domínio da criminalidade em diversos locais do País.

Com essa realidade, o brasileiro quer pagar menos imposto e ter seu dinheiro mais livre para poder destiná-lo ao que achar melhor e não mais confiá-lo a um Estado que não devolve de maneira satisfatória o seu investimento. Essa mudança de lógica muda a relação do cidadão com o Estado. O Estado parece mais atrapalhar do que o ajudar, e os governantes incorporam essa face do Estado. Lula de “pai dos pobres” há 20 anos está se transformando no homem que quer taxar o dinheiro das pessoas.

Por uma boa estratégia de comunicação, Lula ainda consegue ter o anteparo de Fernando Haddad, que virou o responsável mor pelas cobranças no País. O fato é que não adianta um emprego formal gerado para se ganhar um salário mínimo de R$1.518,00, de maneira engessada, tendo que trabalhar em uma jornada que não te permite fazer outra coisa, se ao buscar alternativas ou os famosos bicos, o cidadão consegue chegar nesse rendimento ou até mesmo superá-lo, sem ter tantas obrigações formais. O ativo do emprego regular nesses moldes deixa de ser atraente.

Diante das polêmcas taxações sobre as compras em lojas internacionais que oferecem preços vantajosos em relação ao mercado interno, como Shein, Shopee, Ali Express, entre outros, o governo se viu na sua maior batalha de rejeição popular com o anúncio desastrado sobre a nova vigilância das transações feitas pelo Pix pela Receita Federal.

De acordo com a Febraban, o Pix virou o meio de pagamento mais utilizado no País desde 2023 e por sua facilidade e falta de burocracia encantou os brasileiros. Pesquisa realizada pelo Radar Febraban mostra que 95% dos brasileiros aprovam essa modalidade de pagamento instantâneo.

A pergunta que parece óbvia a se fazer é por que com tantos problemas mais urgentes, o governo, que já não anda nas suas melhores fases de aprovação popular, vai mexer em algo que é quase unânime de aprovação para as pessoas? As respostas podem ser várias, mas todas passam essencialmente por uma questão, o afastamento do senso de realidade. O enclausuramento do Palácio do Planalto e a falta de um pragmatismo que tanto fez de Lula lá atrás um fenômeno de popularidade, superando mensalões e afins, têm atingido em cheio o presidente da República.

Mais desaprovado do que aprovado, segundo o último levantamento feito pela Paraná Pesquisas, Lula inicia seu terceiro ano do terceiro mandato de uma forma inédita. Utilizando de sua famosa expressão, nunca antes na história do Brasil, Lula teve um governo tão contestado pela população como agora. A expectativa dos mais pobres de que a vida fosse melhorar com a volta daquele que lhes proporcionou novas oportunidades no início do século está cada fez mais baixa. O preço dos alimentos e dos serviços seguem muito altos e o rendimento não está acompanhando as necessidades. Quase 80% das famílias brasileiras estão endividadas, de acordo com a CNC e a pesquisa Peic de dezembro de 2024, escancarando a realidade para quem pretendia voltar como o 'pai dos pobres'.

Trazendo um paralelo histórico, Lula e Vargas tem traços muito comuns. Populares, atingiram índices de aprovação entre as classes mais baixas, que os fizeram míticos, mas assim como o caudilho gaúcho, Lula está vivendo o drama do retorno. Vargas quando eleito em 1950, fez uma campanha de recuperação nacional, priorizando a ampliação dos direitos trabalhistas e a industrialização, após um governo bastante rejeitado de Eurico Gaspar Dutra. Lula voltou acusando Jair Bolsonaro de não ter olhado para quem mais precisava e prometeu a volta da picanha, como uma metáfora, para dizer que o brasileiro voltaria a viver bem.

Vargas não conseguiu entregar o que prometeu e o Brasil mergulhou em uma grave crise econômica com aumento das tensões socias, a Marcha das Panelas Vazias, a Greve dos 300 mil e a perda do poder de compra da população. O final de seu governo foi mais trágico que tudo, sendo pausado após o seu suicídio. Lula tem dois anos para não frustrar de vez aqueles que o concederam a oportunidade de voltar ao comando do País, mesmo após uma prisão por envolvimento em corrupção.

Não há mais tempo do ponto de vista administrativo para errar. 2025 será marcado para Lula como deixará sua biografia. Ou Lula muda e acompanha o mundo real ou terá sua percepção popular completamente mudada. O homem que galardeou por tantos anos ter tirado tanta gente da pobreza está em sua volta condenando o brasileiro médio a um futuro sombrio. O governo Lula 3 precisa de conexão com a realidade. Menos ideologia e discursos para convertidos e mais capacidade de entender o novo mundo e as necessidades de quem mais precisa.

A expectativa costuma ser proporcional à decepção e o desenrolar deste ano será um marco para saber se Lula será lembrado como sempre desejou, o 'pai dos pobres', ou se será o credor oficial da República."

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