Contextualizando

“Tudo que é podre termina no chão” – O efeito do excesso de poder por quem não sabe exercê-lo

Em 27 de Abril de 2024 às 17:25

A pauta de costumes tem sido cada vez mais desprezada pela classe política e pelos meios de comunicação.

Isso cria uma inversão de valores ao ponto de ser considerado normal um cidadão presenciar um acidente de trânsito, por exemplo, e ao invés de procurar meios de socorrer os feridos ou mortos preferir usar a câmera do celular para registrar as imagens e divulgar nas redes sociais.

Com a complacência de quem eventualmente exerce o poder, somos induzidos a seguir certas posturas pouco recomendáveis, como aborda no texto a seguir Percival Puggina, arquiteto, empresário e escritor gaúcho::

“O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente. Por isso, os homens de grande poder, quase sempre são homens maus. (Lord Acton, in  Letter to Bishop Mandell Creighton, April 5, 1887)

Essa frase do conhecido historiador britânico que viveu no século XIX é mais conhecida do que ele mesmo. No entanto, em tempos de oligarquia, quando no elegante dizer de Ruy Barbosa se agigantam os poderes nas mãos dos maus, é importante mantê-la em nossa mente, soando seu alerta.

No Brasil onde vejo ladrões serem soltos e receberem de volta o produto de seu roubo, pessoas de bem serem presas e perderem seus direitos e sua liberdade, vejo também milhões de brasileiros de consciência rota, se divertirem com isso fazendo piadas e memes.

Quanto tempo no sofá, assistindo à Globo, é necessário para obter esse desastre moral? Quanto tempo para um esquerdista achar que censura é coisa útil e boa, inerente ao regime democrático? Quanto tempo para nossas instituições terem de ouvir de um norte-americano, como Elon Musk, o quanto estão erradas? Por isso, repito: tudo que é podre, um dia cai no chão. Nosso trabalho como cidadãos é sacudir o galho que esteja ao alcance da mão.

No início dos anos 80 do século passado, diante do que víamos acontecer no país, nos reunimos num pequeno grupo de pessoas católicas para criar e ministrar cursos de Formação de Senso Crítico. O tema e o conteúdo se impunham. A sociedade se transformava e se moldava ao ditame dos grandes meios de comunicação, especialmente aos hábitos e condutas induzidas pela poderosa Rede Globo. As novelas comandavam os padrões de consumo, a moda, a linguagem e as rotinas sociais.

O resultado podia ser medido em degradação, com afrouxamento dos laços familiares, instabilidade das relações parentais e esvaziamento da autoridade moral.

Os efeitos eram percebidos nas famílias, no embalo das madrugadas festivas, no abandono paterno, nas adolescentes grávidas, na zorra das salas de aula, no alcoolismo juvenil, na expansão do consumo de drogas, no abandono das práticas religiosas, no grande número de divórcios e nos consequentes desarranjos familiares. A lista já era grande.

A equipe do curso, ministrado em paróquias e escolas, tinha apenas cinco pessoas e a demanda ia muito além da nossa capacidade de atendimento. Ainda assim, conseguimos mantê-lo por alguns anos e só se extinguiu quando a atividade particular de seus membros os dispersou para destinos distantes da capital gaúcha.

A grande motivação para a missão que havíamos assumido era aquilo que, então, se chamava ‘crise dos valores’. Bastava usar a expressão para que todos entendessem a importância e a necessidade daquele conteúdo. Eu ministrava a palestra sobre Valores Morais, dos quais destacava cinco assuntos: Amor, Justiça, Liberdade, Respeito e Honestidade.

A juventude, desde sempre, é alvo prioritário dos inimigos do Bem e dos fraudadores da verdade, que se instruem e se preparam para avançar sobre ela. De nossa parte, cuidávamos de mostrar aos adultos aos quais falávamos que Valores, assim, com V maiúsculo, são bens que se planta e cultiva. Os principais semeadores são as famílias, as escolas e as igrejas.

Crianças, de modo especial, são verdadeiras esponjas de absorver e processar informação. Aprendem do que veem e sentem em palavras, imagens e exemplos, ações e omissões de pais, professores, religiosos, comunicadores.

Lembro que muitas vezes, os casais presentes naquelas palestras se entreolhavam, interrogando-se mutuamente, quando dizia que os pais são mestres, querendo ou não, por ação ou omissão. São mestres do amor ou do desamor, da verdade ou da mentira, da justiça ou da injustiça.

São reflexões que me vem de tempos antigos. Me faz feliz lembrar que, lá atrás, aquele pequeno grupo em Porto Alegre anteviu os primeiros sintomas do que iria eclodir nas décadas seguintes, transformando a crise de valores na guerra de uma civilização contra si mesma.”

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