Décadas atrás, eram poucas as mulheres que não haviam aprendido com suas mães, avós e bisavós a costurar, tricotar, bordar ou fazer crochê. A prática hoje pode não ser tão comum, mas essas técnicas ainda conquistam as novas gerações - principalmente, pela memória familiar que carregam consigo. A aposentada Maria do Rosário Catão Masiero, 69 anos, conhecida como Rosarinha, aprendeu a bordar com a mãe e com as tias. "Todo o pessoal mais antigo da roça bordava", conta. Ela explica que, até hoje, quem não sabe desenhar continua dependendo de modelos para fazer os riscos que, com a linha, formarão a figura desejada para o trabalho. "Tenho uma caixa bem antiga com moldes daquela época. Nem sei como a gente conseguia, porque mal tinha revistas e jornais com modelos."
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Em família
Com a internet, a nova geração da família revolucionou a forma de bordar. Filha de Rosarinha, Andrea Catão, 42 anos, fundou a marca Rosália Rosarinha, em homenagem à mãe e à avó. "Aprendi muito de artes manuais na infância, mas segui outro caminho. Foi há dois anos, com a crise econômica, que voltei a bordar, incentivada pelas amigas." Andrea diz que a escolha pela prática foi além do gosto pessoal. "Estava em um momento bem depressivo, sem saber o que fazer. Esse trabalho me deu novo significado." A amiga Danny Simões, 42 anos, que estudou moda e investiu em bordados, convidou Andrea para o coletivo The Local Girls Club, formado por seis mulheres bordadeiras. "Ainda não consigo viver totalmente disso, mas fazemos feiras e recebo encomendas. Vou conciliando", conta Andrea, que soltou a criatividade antes de vender peças. "Eu dava presentes para todo o mundo e inventava coisas. Como gosto de bandas de rock, usava isso como tema." E não são só as mulheres nesta onda. O artista visual Pedro Luis, 29 anos, está nela desde 2016. "Queria que o bordado fosse um complemento nas artes que eu já desenvolvia na época." Hoje, é sua principal linha de trabalho. "Publicitário, eu tinha vida de computador todo dia. O aprendizado empodera!"
Facilidades atuais
Hoje, bordadeiras têm mais material disponível, como ampla variedade de linhas, cores e tecidos. Desenhos estão espalhados pela internet. "Não existia bastidor [apoio para firmar o tecido], que ajuda muito. Minha mãe bordava na mão! Ainda prefere assim." Danny aprendeu artes manuais quando criança e, depois, foi estudar moda. "Perto dos anos 2000, eu já havia trabalhado com diversos estilistas, e muitas peças eram feitas a mão. Comecei a resgatar essa memória", lembra. "Em 2013, senti uma explosão das artes manuais e voltei oficialmente a elas. Vi que o bordado era a minha favorita." Danny, como as demais bordadeiras, encoraja aprendizes. "Muitos pensam em bordado em ponto-cruz [pequenas cruzes agrupadas para formar o desenho] ou outras técnicas difíceis, mas o bordado livre é muito mais simples", garante. "Comecei a fazer parte de um movimento que renovou o bordado, criando desenhos mais modernos e feministas."
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Prática exercita o cérebro e ajuda a sair da depressão
Bem-estar físico e superação são palavras bem recorrentes em grupos de quem faz bordado. Estudos científicos confirmam essa percepção. Pesquisa publicada no internacional Journal of Neuropsychiatry & Clinical Neurosciences aponta que atividades manuais, como crochê e tricô, reduzem chances de transtornos cognitivos leves e de perda de memória. O estudo foi feito com 1.321 pessoas entre 70 e 89 anos. A prática ainda ajuda a reduzir a dor, segundo pesquisa com pacientes com dores crônicas do sistema público de saúde inglês. O terapeuta ocupacional Fábio Pereira Fouchy diz que coordenação motora e cérebro são beneficiados. "Esse tipo de atividade ativa várias áreas do cérebro, como de cognição (atenção, concentração, memória e aprendizado)." Ele acrescenta que a prática é ótima para relaxar a mente e estimular a socialização. Amanda Zacarkim, 31 anos, do Clube do Bordado, conta que já viajou muito para ensinar a técnica. "Vi pessoas se transformando em empreendedoras; outras, saindo da depressão com coletivos e clubes de bordado", relata. A bibliotecária Juliana Calherani, 33 anos, usou a técnica para superar uma separação. "Na fossa, bordei como se não houvesse amanhã. Ajudou muito. Nos lugares, imagino como seria bordar a paisagem que vejo. É uma fuga das situações difíceis e um exercício criativo." (FSeKM)
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Cursos e kits são opções a iniciantes
Primeiro eram trocas informais de riscos (desenhos) de bordado. Depois, surgiram revistas especializadas que ensinavam o passo a passo. Na era da internet, porém, já existem cursos online e lojas especializadas que facilitam a vida dos iniciantes no bordado. O projeto Bordado Studio (bordadostudio.com.br) foi fundado por Andressa Ferraz, 31 anos. "Estudei moda, mas nunca tinha me aproximado do bordado. Vendo alguns modelos no Pinterest [rede social de troca de ideias], eu fiquei interessada", conta. A prática estava despontando novamente. "Era o início de sua retomada, e ela foi quebrando o tabu de ser para senhoras que desenham casinha e florzinha", brinca Andressa. "Passaram a surgir os bordados subversivos, com frases fortes e mensagens feministas." Hoje, Andressa até vende alguns trabalhos, mas mantém o foco em cursos e na venda de kits prontos em sua loja virtual. Já Amanda Zacarkim, 31 anos, é uma das fundadoras do projeto Clube do Bordado (oclubedobordado.com.br). "Uma amiga decidiu nos ensinar a bordar como desculpa para nos encontrarmos semanalmente", diz. Logo o grupo transformou a ideia em negócio. "Nós damos cursos, vendemos kits e temos um programa de assinatura. Todo mês, enviamos kit com risco, tecido e linhas das cores corretas. Tudo o que a pessoa precisa." (FS)
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