Pesquisadores brasileiros desenvolveram um tablet capaz de emitir cheiros e que auxilia no rastreamento de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson. Trata-se do primeiro teste olfativo digital na área médica.
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Chamado de Multiscent20, o dispositivo possui 20 fragrâncias consideradas universais, como café, laranja, baunilha e rosa. Os cheiros são emitidos por meio de uma tecnologia de ar seco. O sistema controla a quantidade e a duração da liberação do aroma na cavidade nasal.
Após a liberação de cada fragrância, o paciente responde a um teste diretamente na tela do aparelho. O objetivo é avaliar se ele consegue identificar corretamente odor, que pode ser emitido até duas vezes. O resultado é capturado em tempo real e armazenado em nuvem. O médico tem acesso por meio do computador do consultório ou direto no aplicativo.
A validação dessa tecnologia foi recentemente publicada na revista Nature. Anteriormente, o estudo também foi destacado na IFAR, a principal publicação na área médica olfativa. Até então, os métodos tradicionais padrão ouro eram analógicos, utilizando frascos e canetas que liberam cheiros.
O médico otorrinolaringologista e pesquisador da UNB (Universidade de Brasília) Marcio Nakanishi foi o responsável pelo estudo científico. Ele explica que a perda do olfato está ligada a várias doenças, mas foi a pandemia da Covid que deu mais visibilidade ao tema e ampliou o número de trabalhos na área.
Ele afirma que o novo tablet auxilia no rastreamento e pode facilitar na detecção precoce de doenças neurodegenerativas, permitindo intervenções antecipadas e potencialmente mais eficazes. Isso ocorre porque essas condições estão associadas à perda precoce da capacidade olfativa.
"Existem oito tipos de condições que podem causar a perda do olfato. Entre as principais estão infecções virais, sinusite, trauma e distúrbios neurodegenerativos, sendo esses últimos associados a uma perda gradual da capacidade olfativa", afirma.
Existem oito tipos de condições que podem causar a perda do olfato. Entre as principais estão infecções virais, sinusite, trauma e distúrbios neurodegenerativos, sendo esses últimos associados a uma perda gradual da capacidade olfativamédico otorrinolaringologista e pesquisador responsável pelo estudo.
Nakanishi diz que a literatura também mostra que, entre duas pessoas de 57 anos, uma com perda olfativa e a outra sem, a chance de a primeira falecer em até cinco anos é três vezes maior. Isso ocorre porque a perda do olfato pode levar a comportamentos de risco, como acidentes, consumo de alimentos estragados, ansiedade, depressão e isolamento social.
A história da aplicação médica do aparelho começou durante a pandemia da Covid, quando Nakanishi descobriu uma tecnologia originalmente usada na perfumaria e explorou sua aplicação na área após contato com a desenvolvedora.
Ele entrou em contato com Claudia Galvão, criadora do tablet e participante do estudo. Ela trabalhava com nanotecnologia para fazer revistas com cheiros e havia desenvolvido o tablet para a área de cosméticos. Após o contato de Nakanishi, passou a se dedicar à aplicação da tecnologia no campo médico.
Galvão afirma que a tecnologia de cheiro seco é o que torna o sistema inovador, porque não contamina o ambiente nem o nariz do usuário. Isso permite que até o vigésimo aroma seja percebido sem interferência dos outros.
A Noar, empresa responsável pela fabricação do tablet, está conduzindo pesquisas com essa nova tecnologia em 28 países. Além disso, está sendo realizada uma investigação nacional para medir, pela primeira vez, o nível do olfato dos brasileiros.
Entre os apoiadores dessa tecnologia está Thomas Hummel, especialista do Centro de Olfato e Paladar da Universidade de Dresden, na Alemanha. O pesquisador, que é conhecido por ter desenvolvido o teste de olfato com uma caneta, também assina o estudo publicado na Nature.
Atualmente, o tablet é utilizado em consultórios particulares e em algumas universidades parceiras no Brasil, como a UNB, mas ainda não está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde). O rastreamento preventivo de perda de olfato é recomendado a partir dos 57 anos.
No Brasil, a Noar lançou a campanha Nariz Alerta, com o objetivo de aumentar a conscientização sobre a perda do olfato, que pode ser um sinal precoce de doenças neurodegenerativas. "Hoje, a startup está se dedicando mais à educação dos médicos do que à venda do tablet," acrescenta Galvão.