Está completando 10 anos a Operação Lava Jato, movimento que uniu Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal e outros agentes públicos para desbaratar um grupo criminoso e recuperar aos cofres públicos bilhões de reais, condenando e colocando na cadeia muitos personagens ilustres da política e do empresariado.
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Essa ação conjunta obteve grande repercussão positiva internacional, dada a sua grandiosidade e os seus propósitos, mas começou a se esvaziar quando o mesmo Judiciário zeloso com a coisa pública tirou da prisão, por motivos até hoje não bem justificados, o presidente Lula, principal personagem dentre os condenados.
A partir daí, “com a porteira aberta”, não restou mais ninguém na prisão – um a um, foram sendo liberados pela Justiça (?), e muitos, como o novamente presidente da República, até recuperaram seus direitos políticos.
Esse é o tema de artigo do jornalista William Waack, no “Estadão”:
“O sepultamento jurídico da Lava Jato foi consumado bem antes da operação completar agora seus 10 anos. O enterro político tem se revelado mais difícil.
No lado jurídico, a derrota da Lava Jato apresenta aspectos específicos do campo do Direito, resumidos na frase: ‘não se deve cometer crimes para combater crimes’. Mas envolve uma monumental disputa entre poderes institucionais: qual deles exerceria uma ‘tutela’ sobre sociedade e política.
Como supremo poder, o STF se sentiu acuado e atacado pela Lava Jato e o Ministério Público (e nem se trata dos rumores em torno de uma ‘Lava Toga’). Afinal, quem ‘faz história’ e protege uma sociedade hipossuficiente, a que não é capaz de se defender sozinha?
Em parte, é a esse entendimento que o STF chegou quanto ao seu papel mais geral. Por ironia, era também o entendimento dos expoentes da Lava Jato quanto ao seu papel específico frente ao sistema político. Entregue a si mesma – acreditava-se e acredita-se – a política só produziria mais danos à sociedade, daí o controle a ser exercido pelos ‘homens de preto’.
Nesse sentido, é ‘game over’, pois tem sido o STF essa espécie de ‘regulador’ da política além do que possa ser um preceito constitucional. Ocorre que a Lava Jato é um fenômeno político e social de grande amplitude, no qual a indignação pela corrupção endêmica é só o aspecto mais visível.
A força do fenômeno reside no descontentamento de vastas camadas da sociedade frente ‘ao que está aí’, entendido como um sistema a partir do poder público que é predatório do ponto de vista do empreendedor, injusto do ponto de vista do contribuinte, e perverso do ponto de vista de quem precisa de saúde e segurança (pois gasta demais e entrega de menos).
No empenho de Lula e do PT em reescrever o passado está implícita a noção de que não é possível apagar a Lava Jato da memória coletiva (como não é possível apagar a pandemia, por exemplo). Daí o esforço de empurrar goela abaixo, com forte contribuição também do STF, a interpretação de que foi uma ocorrência maléfica, não só do ponto de vista jurídico, mas para economia e política brasileiras.
O problema é o choque brutal entre a proposta de ação política de reescrever o passado e a realidade. Para enorme parte da população, a Lava Jato (com ou sem erros) continua simbolizando um esforço para mudar ‘o que está aí’, além de combater corrupção, enquanto as instâncias jurídicas e políticas permanecem fixas no plano desse imaginário político como pilares para deixar tudo como sempre foi.
É possível enterrar um morto, mas difícil se livrar da assombração.”
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