O chemsex, prática que combina o uso de drogas sintéticas e sexo prolongado, cresce no Brasil e desafia autoridades da saúde e segurança. Somente nos últimos seis meses, foram apreendidos pela polícia 2,5 kg de metanfetamina (conhecida como cristal) em São Paulo.
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O que aconteceu
O chemsex, termo derivado de "chemical sex" (sexo químico), vem ganhando espaço entre homens que fazem sexo com homens, héteros e bissexuais, adeptos da "suruba" e também clientes de garotos e garotas de programa. A prática, que inclui o uso de substâncias como metanfetamina, GHB, cetamina e poppers, visa intensificar sensações e prolongar a duração do ato sexual, mas carrega riscos graves à saúde mental e física.
Substâncias populares incluem metanfetamina, conhecida como "crystal meth" ou "Tina", GHB (ácido gama-hidroxibutírico) e cetamina. Elas provocam efeitos como aumento do prazer, relaxamento muscular e alterações de consciência. Segundo o psiquiatra Pedro Coser, muitas vezes o chemsex está relacionado a um desejo de pertencimento e uma forma de lidar com estados emocionais adversos.
No Brasil, a entrada dessas substâncias ocorre via redes internacionais, portos e aeroportos, muitas vezes ocultas em cargas legítimas ou correios expressos, e também pela internet. Segundo o delegado especializado em inteligência policial e segurança pública Alessandro Santos Pereira, 'biqueira digital' é um termo apropriado, pois muitas dessas drogas são comercializadas em sites da darknet, redes sociais e aplicativos de mensagens, onde vendedores e compradores se conectam diretamente".
Exemplos de "biqueiras digitais":
Aplicativos de Mensagens: ferramentas como Telegram, WhatsApp e Signal são amplamente utilizadas para transações, devido à criptografia que garante o anonimato e dificulta a fiscalização. Grupos fechados e canais com convites específicos são os meios preferidos pelos traficantes.
Darknet: mercados ilegais na darknet, acessados por navegadores como Tor, permitem a comercialização de drogas sintéticas com maior anonimato. Produtos são muitas vezes listados com descrições detalhadas e enviados por correio disfarçados como itens comuns.
Redes Sociais: Instagram, Twitter e Snapchat também servem como ponto de contato inicial entre traficantes e usuários. Emojis e gírias específicas são utilizadas para evitar detecção por moderadores ou autoridades.
Plataformas de Encontro: aplicativos como Grindr e Tinder podem ser usados para acessar redes de chemsex. Perfis com símbolos ou códigos visuais, como emojis de diamante (para metanfetamina) ou foguete (para drogas injetáveis), são comuns.
Marketplaces Alternativos: algumas plataformas de compra e venda menos regulamentadas podem abrigar anúncios disfarçados para a comercialização de drogas, especialmente com a descrição de produtos vagos ou codificados.
"A facilidade de comunicação online e o uso de tecnologias de criptografia favorecem esse comércio clandestino, dificultando a identificação dos responsáveis e a coleta de provas pelas autoridades", disse Alessandro Santos Pereira.
Os emojis e gírias usados para indicar drogas relacionadas ao chemsex são criativos e frequentemente atualizados para evitar detecção. Aqui estão os mais comuns:
Emojis associados a drogas no chemsex:
Gírias comuns:
Tina: gíria para metanfetamina.
G ou Gi: usada para GHB.
Key: termo para ketamina.
Slam: refere-se ao uso injetável de metanfetamina.
Party ou PNP: abreviação de "Party and Play" (Festa e Sexo com Drogas).
Roll: usado para descrever a experiência com ecstasy (MDMA).
Chill: refere-se a sessões de chemsex de longa duração.
A saúde mental e sexual dos praticantes é diretamente afetada com o uso desses tipos de drogas. Os especialistas relatam casos em que indivíduos condicionam o ato sexual às drogas, gerando dependência e dificuldade em estabelecer relações saudáveis. O chemsex está também associado à transmissão de infecções sexualmente transmissíveis e à dependência de substâncias. Estratégias como o uso de PrEP e Doxi-pep são recomendadas para prevenir HIV e sífilis, além de iniciativas de redução de danos, como campanhas comunitárias.
Segundo Coser, é essencial promover campanhas de conscientização que foquem em redução de danos e educação sobre os riscos. "Informar a comunidade e oferecer suporte médico e psicológico são passos fundamentais para minimizar os impactos dessa prática," enfatizou o psiquiatra.
Apreensões em SP
O Denarc de São Paulo registrou apreensões de cerca de 2,5 kg de metanfetamina nos últimos seis meses. Embora possa parecer pouco, 1 grama da droga é suficiente para um usuário consumir durante dois ou até três dias. "Isso torna a apreensão de 2 kg em junho extremamente significativa para o padrão de metanfetamina", explicou o delegado Fernando Santiago, do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), da Polícia Civil.
A droga, antes muito cara e restrita a um nicho de usuários, teve uma drástica redução de preço nos últimos anos, caindo de R$ 700 para R$ 70 por grama. Esse barateamento está ligado à produção local iniciada em 2020, liderada por grupos estrangeiros, como mexicanos e chineses. Santiago destacou: "Sem a atuação desses grupos, dificilmente haveria circulação dessa droga em São Paulo."
Com a produção local da metanfetamina, os custos logísticos diminuíram, facilitando o acesso à droga e ampliando seu consumo, especialmente entre praticantes de chemsex e frequentadores de festas eletrônicas. "A preocupação é que, com o barateamento, grupos como o Primeiro Comando da Capital possam explorar essa droga, tornando-a ainda mais acessível", alertou Santiago.
A investigação do tráfico de metanfetamina enfrenta diversos desafios. "Por se tratar de um nicho reduzido, os traficantes vendem para clientes conhecidos ou indicados, muitas vezes usando serviços de entrega disfarçados, como pacotes de sabonete ou bolachas", explicou Santiago. Além disso, a natureza discreta do tráfico — envolvendo garotas e garotos de programa que entregam a droga diretamente a usuários em motéis — dificulta o flagrante.
Outro obstáculo é a falta de dados sobre os traficantes estrangeiros, que frequentemente mudam de endereço e usam documentos de terceiros para se estabelecerem. "Muitos nem possuem registros claros, o que complica ainda mais o rastreamento", afirmou o delegado. Mesmo com todas as dificuldades, oficiais do Denarc prenderam na última sexta-feira (17) o engenheiro químico mexicano Guillermo Fabian Martinez Ortiz, apontado como um dos maiores produtores de metanfetamina do estado de São Paulo.
"Se você tem uma droga produzida perto do local de destino, como ocorre agora em São Paulo, isso barateia demais e preocupa, porque talvez o Primeiro Comando da Capital passe a produzi-la um dia, tornando-a ainda mais acessível. Diferentemente da cocaína, que precisa de condições climáticas específicas e é obrigatoriamente importada, a produção local reduz drasticamente o custo e amplia o consumo, permitindo que usuários que antes não tinham acesso experimentem a droga, especialmente após o início dessa produção em 2020", destacou Fernando Santiago.
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