Série de KondZilla na Netflix quer mostrar vida real da periferia de SP

Publicado em 08/08/2019, às 17h16
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Por Folhapress

Konrad Dantas ainda era um adolescente morando em uma favela do Guarujá (litoral paulista) e longe de se tornar o fenômeno KondZilla -dono do sexto maior canal de YouTube do mundo-, quando teve a ideia de contar histórias de pessoas que viviam naquele local. "Pensava, cara, se um dia eu tiver a oportunidade de trabalhar no audiovisual, gostaria de contar a história desse cara, daquele outro cara... Por causa disso, eu sempre fui muito observador", revela.

A chance virou realidade e estreia nesta sexta-feira (9), na Netflix. A série "Sintonia", em seis episódios, mostra três jovens de uma favela fictícia de São Paulo, seus dramas e sonhos: Doni (MC Jottapê), que deseja ser um astro do funk; Nando (Christian Malheiros), que se envolve com o tráfico de drogas em busca de melhores condições para sua família; e Rita (Bruna Mascarenhas), jovem que vê na igreja evangélica uma saída para os seus problemas.

"[A série] é vida real. Se a gente sair na rua agora, a gente encontra um desses personagens", afirma o ator Christian Malheiros, que já foi premiado por sua atuação como protagonista do filme "Sócrates" (2018). Para ele, um dos diferenciais de "Sintonia" é mostrar a "quebrada de São Paulo", tão poucas vezes retratada em séries e filmes.

"A gente tem a favela do Rio, que é pintada internacionalmente. Ninguém nunca falou da favela de São Paulo do jeito que a gente fala. Tivemos que buscar referências em nós mesmos e criar a representatividade dessas pessoas, que a gente não vê em canto nenhum", complementa o ator, nascido e criado na periferia de Santos, litoral paulista.

A trama de "Sintonia" se passa na Vila Áurea, uma favela fictícia inspirada nas comunidades paulistanas. A maior parte das cenas foi gravada na favela do Jaguaré, na zona oeste da capital paulista. Questionado sobre como não cair no risco de romantizar a favela, Malheiros respondeu que é preciso entender que a série quer mostrar a vida real e que faz parte do trabalho do artista mostrar o que está acontecendo para transformar.

"É entender que é ser humano. Romantiza quem tem olhar podre, estereotipa quem não entendeu nada do que a gente está falando, porque estamos trazendo pessoas reais para cena. A gente não está defendendo bandido. Não sou a favor do crime, mas eu entendo o porquê daquele cara estar no crime. E é isso. Acho que a gente está nesse lugar como artista de entender para transformar", afirma Malheiros.

Origem da série

KondZilla conta que o gatilho para dar início ao seu sonho de adolescente e criar "Sintonia" veio de ideia semelhante à defendida por Malheiros. O ano era 2012, e o funk começava a despontar em São Paulo, mas ainda era cercado, de acordo com ele, por muito preconceito.

"A mídia queria colocar a gente como culpado de incentivar os jovens a entrar no mundo do crime, fazer coisa errada para conseguir adquirir bens materiais… Cara, não tem nada a ver isso. Sou um olhar que registra esse momento, essa passagem aqui do funk ostentação", explica o videomaker.

Ele pensou, então, em pegar essa crítica e transformar em um trabalho. Primeiro, ele teve a ideia de um curta-metragem, em que três amigos seguiam diferentes caminhos para comprar um tênis, que custava R$ 1.000: um deles se tornava traficante, outro comprava um tênis falso, e o terceiro adquiria o calçado original, mas era assaltado.

Ao contar a sua ideia para profissionais da área, KondZilla chegou a conclusão de que o projeto poderia ser uma série com múltiplas temporadas. A Netflix pediu para criar um personagem mulher. A decisão dele foi transformar um dos três amigos em mulher. Assim, surgiu a jovem Rita na história. Uma segunda temporada, inclusive, já é prevista pelos produtores.

Indagado sobre o atual governo e uma possível maior repressão ao funk e às atividades culturais no país, KondZilla lembrou o período de ditadura militar (1964-1985) no país, quando a arte viveu um momento de grande produção musical. "Não estou falando que a gente está vivendo uma ditadura. Estou falando que se houver uma repressão muito agressiva nesse nível, com certeza, a arte vai se manifestar", conclui.

Carioca entre os paulistas

Enquanto os atores Christian Malheiros e MC Jottapê tiveram dois meses de preparação antes de começar a gravar a série, Bruna Mascarenhas só teve duas semanas. E com um agravante: deixar de lado o forte sotaque carioca, e falar com naturalidade as gírias e pronúncias típicas da periferia paulistana.

Para isso, ela teve ajuda de uma fonoaudióloga e dos colegas de elenco. "Teve momentos que eu fiquei bem tensa. Faltando cinco dias para começar a gravar, eu não aguentei e comecei a chorar desesperada, porque é muita responsa. Mas foi, né", contou.

O resultado foi positivo. Na série não dá nem para desconfiar que Rita é interpretada por uma carioca. Os três protagonistas foram escolhidos em testes. "Era meio Big Brother o bagulho", disse Jottapê, que protagonizou o filme "O Menino da Porteira", aos nove anos, ao lado do sertanejo Daniel.

A ideia, segundo a produtora Rita Moraes, era não trazer celebridades ou nomes já muito conhecidos do público para o elenco. "Para dar essa sensação de novidade", afirmou.

Do trio, o mais parecido com o personagem é o MC Jottapê, que assim como o Doni da série, sonha em ser um astro do funk. Em parceria com MC EZ e Tropkillaz, ele assina as músicas da série, que devem ser lançadas nas plataformas digitais em breve. Um clipe da música principal da trama já foi gravado e também será lançado no canal KondZilla.

Bruna também vê semelhanças com Rita, especialmente na determinação para ir atrás do que quer. Um mês antes de se escalada para a série, ela tinha se mudado do Rio de Janeiro para São Paulo para investir em teatro e cinema. Trabalhava em um restaurante na zona sul da cidade, quando foi chamada para interpretar Rita, e não pensou duas vezes para se demitir do emprego. "Esse trabalho [em 'Sintonia'] me desafiou muito. Estar em outra cidade, falar outro sotaque, entender como era a quebrada aqui."

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