"A gente passou oito dias dormindo no chão, nem cama a gente tinha. Hoje fazem 14 dias que estamos aqui, fome não estamos passando, mas a situação é horrível. A cada dia que passa a dívida está aumentando, somos ameaçados quando falamos em voltar. Muitos dos meninos estão com medo de represália por conta da denúncia, mas conversamos e decidimos juntos que é a única forma de sairmos daqui".
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O relato é da alagoana Wagna Silva, de 43 anos, que trabalha como cozinheira em uma fazenda no município de Brejetuba, no interior do Espírito Santo. Ela integra um grupo de 12 alagoanos, da cidade de Penedo, que viajou de forma clandestina a convite, segundo ela, de um desconhecido em busca de emprego e renda fora do estado.
A expectativa dos alagoanos em busca de uma vida melhor foi rapidamente frustrada, quando o grupo foi recepcionado em um alojamento sem estrutura e teve que pagar por ferramentas de trabalho e comida servida na fazenda. Até que nessa segunda-feira (13), eles criaram coragem de denunciar condições de trabalho análogo à escravidão.
Os trabalhadores denunciam que chegaram à fazenda já contendo uma dívida praticamente impagável e que só aumenta, ao tempo que a colheita do café - serviço para o qual a maioria foi contratada - está cada vez menor. "A dívida só cresce, essa dívida aí que eu expus no vídeo, que dá quase R$ 11 mil, é porque foram buscar a gente de van lá na nossa cidade, em Penedo, então trouxeram a gente para cá. Essa dívida está incluída com a passagem, o material dos meninos [luvas, botas e peneiras] e alimentação", detalhou a mulher contando que, somente referente ao transporte, o valor cobrado gira em torno de R$ 8 mil para o grupo.
Como foi o recrutamento - A cozinheira contou não conhecer a pessoa responsável pelo recrutamento, mas sabe "que o rapaz desapaceu". "Foi um conhecido que passou para outro, e que foi passando para todo mundo, e foi por isso que a gente acabou aqui. Todo mundo estava desempregado, em Penedo, então um colega da gente, que eu não sei nem sei quem era, informou que aqui estava tendo trabalho, e que o ano passado ele tinha vindo para essa fazenda e que a colheita estava sendo boa. Um foi passando para o outro, que foi passando para o outro e a gente acabou aqui nessa situação, inclusive o rapaz desapareceu depois que a gente chegou aqui, a gente não tem mais contato com ele, ninguém consegue mais entrar em contato, é como se ele não tivesse mais o chip", relata.
Wagna conta que entre os trabalhadores está um filho dela, um genro e dois sobrinhos, o que a fortaleceu para tomar coragem e denunciar a situação. "Se os meninos não têm café para apanhar, eles não têm dinheiro para pagar a dívida. Não tem café suficiente, não tem como me pagar. Se eles não têm como me pagar, eu também não tenho como pagar minha dívida. O meu filho está aqui, o meu genro está aqui e eu como mãe me coloquei no lugar de todo mundo"
"Por enquanto, a dívida é de R$ 10.395,00. Por enquanto. Por que eu estou falando por enquanto? Porque amanhã e depois a gente já vai precisar de alimentação. Então, como a gente vai precisar de alimentação, a gente tem que comprar aqui na fazenda fiado, essa dívida vai aumentar", explica Wagna.
Carga horaria maior que 8h por dia - Segundo a cozinheira, a carga horária de trabalho na fazenda é de 9 horas diárias e nenhum dos trabalhadores alagoanos teve a carteira de trabalho assinada. "Aqui os meninos começam a trabalhar das 7h às 11h, com intervalo de uma hora para almoço, e depois retomam a colheita, das 12 até às 17h, mas o patrão quer aumentar até às 18h porque acha que é pouco e que eles precisam pegar mais café", acrescenta.
O que diz o MTE e a Prefeitura de Penedo - No início da tarde desta terça-feira (14), a Superintendência do Trabalho e Emprego em Alagoas informou que uma operação está sendo preparada para resgatar os trabalhadores "submetidos à condição análoga à escravidão no sudeste do país". Segundo a instituição, o superintendente regional do Trabalho em Alagoas, Cícero Filho, acionou a Polícia Federal (PF) e também a Superintendência Regional do Trabalho no Espírito Santo.
A Prefeitura de Penedo também foi procurada pela reportagem e disse ter adotado todas as medidas cabíveis visando à localização e amparo dos trabalhadores. "A Secretaria Municipal de Assistência Social de Penedo está monitorando o desenvolvimento do caso com máxima atenção e já se colocou à disposição para facilitar o retorno seguro desses cidadãos a seu município de origem", complementa o Município.