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Revelações produzidas por personagens ouvidos até agora pela Polícia Federal estão levando ao entendimento de que Jair Bolsonaro, inconformado com a derrota para Lula e duvidando do resultado apurado pela Justiça Eleitoral, desenvolveu tratativas para um golpe de estado no Brasil, em 2022.
Pelo que tem sido apurado, o ex-presidente esperava contar com o respaldo de militares do Exército, o que acabou não acontecendo e, com isso, restou apenas a intenção.
A questão agora é de interpretação jurídica, como explica o jornalista Carlos Graieb:
“Os depoimentos do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, e do ex-comandante da Aeronáutica, Carlos Batista Junior, confirmam tudo que a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid já havia trazido à tona, com alguns detalhes a mais.
Bolsonaro conhecia minutas de golpe, buliu com elas e apresentou uma dessas trolhas aos militares, tentando cooptá-los para a sua intentona. Fez isso em duas ocasiões. Numa delas, ouviu de Freire Gomes que seria preso se insistisse naquela conversa. Segundo Carlos Batista Junior, Bolsonaro ficou ‘assustado’ ao perceber que não tinha apoio para seguir em frente.
Pelo senso comum, já não existe como negar que o ex-presidente estava pronto para virar a mesa. Restam agora as questões jurídicas.
Os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado de Direito e tentativa de golpe de Estado serão julgados pela primeira vez (e oxalá, pela última). Onde exatamente será traçada a linha entre aquilo que os juristas chamam de ‘atos preparatórios’ e a execução desses crimes?
Crusoé tratou dessa questão há duas semanas. Mostrou que ela é bastante controversa entre os especialistas. Alguns acham que a reunião com os militares é ato preparatório, outros que já se tratava da execução dos crimes de tentativa, porque se eles tivessem topado, ninguém seria capaz de deter o movimento: botar os tanques na rua, cercar o TSE e prender Alexandre de Moraes já seriam a consumação do golpe. Game over.
Segundo o jurista Miguel Reale Jr., que também conversou com Crusoé, deve-se olhar o conjunto da obra, e não apenas a reunião com o comando militar. Para ele, o 8 de Janeiro continua sendo o momento em que a tentativa de golpe se concretizou.
Reale Jr. acredita que há fartura de elementos mostrando que Bolsonaro regeu a orquestra do golpe, dos discursos contra o STF e pela mobilização das Forças Armadas que o ex-presidente começou a fazer ainda em 2019, até a defesa dos acampamentos em frente aos quarteis no período eleitoral.
Verdade verdadeiríssima. Mas acredito que essa leitura dos crimes de tentativa de golpe e de abolição do Estado de Direito exige uma prova cabal de que Bolsonaro ou seus comparsas mais chegados, como Mauro Cid ou Augusto Heleno, deram sinal para o início da ‘festa da Selma’- apelido dos aloprados para a marcha sobre Brasília. Essa prova ainda não apareceu.
Entendo a preocupação de Reale Jr.: evitar que intenções sejam confundidas com crimes. Para um penalista, como ele, trata-se de sacrilégio misturar as coisas. Desejos, propósitos e elucubrações jamais podem ser punidos, por mais diabólicos que sejam.
Mas estou de acordo com quem acha que reunir a cúpula das Forças Armadas para convidá-las a participar de uma aventura já é cruzar a linha vermelha numa democracia.
Bolsonaro não estava discutindo uma minuta de decretação de Estado de Sítio naquela salinha. Esse seria apenas o artifício utilizado para fingir que tudo estava sendo feito conforme a Constituição, ou ‘dentro das quatro linhas’, na ridícula expressão que o bolsonarismo adotou. O objetivo, para além dessa farsa, era garantir que o capitão e sua trupe permanecessem no poder.
Foi exatamente isso que os militares entenderam, seja os que se negaram a participar do golpe, seja o que topou, pondo suas tropas à disposição (o almirante Garnier).
Digo mais: o 8 de Janeiro foi apenas o plano B — a última e desesperada tentativa de obrigar os militares ‘cagões’ a saírem dos quarteis. O convite indecoroso de Bolsonaro aos comandantes aconteceu em 7 de dezembro de 2022, um mês antes da marcha dos aloprados. Se tivesse sido aceito, ela não teria acontecido.
Não creio que haja necessidade de mais provas para condenar Jair Bolsonaro.”
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