Em audiência pública nesta segunda-feira (7) na Comissão de Meio Ambiente (CMA), representantes do governo e da indústria automobilística defenderam o estabelecimento de um marco legal da eletromobilidade no Brasil — a transição gradual para veículos elétricos ou híbridos.
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Para eles, o PLS 454/2017 pode cumprir esse papel se for tratado com rigor pelo Senado. Trata-se do projeto de lei que proíbe a venda de carros novos movidos a combustíveis fósseis a partir do ano de 2060. O projeto já tem parecer favorável da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e está sob análise da CMA, que dará a palavra final sobre ele.
A audiência foi convocada pelo relator do PLS na comissão, senador Jean Paul Prates (PT-RN). Ele defende que o projeto avance além de estabelecer prazos e embase uma discussão estruturante sobre o setor de transportes e suas fontes de energia.
O senador salientou a importância ambiental, econômica e até diplomática de posicionar o Brasil na marcha rumo à eletrificação dos transportes. Porém, também argumentou que esse movimento não pode ser feito de forma brusca.
— O Brasil recentemente entrou para o clube dos exportadores de petróleo, é líder mundial no desenvolvimento de biocombustíveis. Não temos interesse em provocar uma transição energética rápida.
Descarbonização
Ricardo Guggisberg, presidente da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (Abve), apontou que a meta temporal almejada pelo projeto é mais modesta do que as adotadas por países que já fizeram essa opção. Ele disse que a entidade também favorece a abordagem de transformar o projeto em base de um plano nacional de eletromobilidade. Esse plano deve integrar não só os automóveis, mas também outros modais de transporte.
— Há uma imensa variedade de veículos leves que estão mudando o conceito de mobilidade entre os jovens dos grandes centros urbanos, junto com uma crescente oferta de equipamentos de recarga, uma ampla variedade de aplicativos de compartilhamento de transporte.
Esses veículos têm caído no gosto da população urbana jovem, por serem opção de baixo custo. Maurício Siqueira Franco, presidente da Associação Brasileira de Fabricantes e Importadores de Ciclomotores e Similares (Abrafics), disse que o Brasil deveria acompanhar a tendência de descarbonização das grandes cidades, que já se verifica em partes do mundo. Entraves a isso no país são a dificuldade burocrática para adquirir a documentação e o licenciamento de veículos como scooters e bicicletas elétricas.
Guggisberg destacou que o Brasil quintuplicou a sua frota de carros elétricos e híbridos desde 2016, o que demonstra crescente viabilização do setor. Outro fator que contribui positivamente é o custo da energia armazenada, que tem caído consistentemente e deve se equiparar em breve aos preços de combustíveis, tornando os elétricos mais competitivos. Entre os obstáculos à expansão, por outro lado, estão a autonomia das baterias, os custos de produção e a infraestrutura para suporte.
Rota 2030
No ano passado entrou em vigor o programa Rota 2030, um conjunto de diretrizes do governo federal para a indústria automobilística na próxima década. O programa inclui metas de eficiência energética para motores movidos a combustíveis fósseis e estímulo à produção de carros híbridos e elétricos.
Henry Joseph Jr., diretor técnico da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), afirmou que o PLS 454/2017 deve se integrar a essa programação e ajudar a orientar melhor os rumos que o Rota 2030 definiu. Para ele, uma legislação preocupada apenas com restrições pode ter consequências negativas.
— É mais produtivo ter fatores indutores, o que pode permitir que a gente vá se acomodando adequadamente. O Brasil é rico em matriz energética e em tecnologias.
O mesmo ponto de vista foi defendido por Paulo Alvim, secretário de Empreendedorismo e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia. Além dos elétricos e híbridos, o Rota 2030 motivou inovações no etanol e nos carros flex, o que já é um ganho em termos de sustentabilidade, segundo ele.
Alvim também defendeu a elaboração de um marco da eletromobilidade: em vez uma meta única com prazo distante, diversas metas intermediárias projetando uma evolução ao longo do tempo.
— Temos que aproveitar a oportunidade para um discurso de soberania tecnológica em uma área que dominamos. A energia renovável tem competência brasileira que precisa ser valorizada e transformada em produção de riqueza.
Necessidade
A mudança para um modelo de baixo carbono é mais do que uma opção política, é uma necessidade, disse José Mauro Coelho, diretor de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Fatores que forçarão esse caminho são as mudanças climáticas, os avanços tecnológicos, a incerteza nos preços do petróleo, as tensões geopolíticas e a conscientização social com a questão ambiental.
Para Coelho, essa transição será lenta, como foram todas as transições energéticas na história, mas o país precisa se posicionar nela o quanto antes. Segundo dados da EPE, o Brasil deve dobrar a sua produção de petróleo em 10 anos, se posicionando entre os líderes mundiais. A produção de biodiesel e etanol deve subir em proporção um pouco menor, mas a vantagem do país é já estar entre os principais fornecedores desses combustíveis.
Esses biocombustíveis, porém, devem se tornar mais competitivos em relação aos combustíveis fósseis, o que encorajaria cada vez mais o seu uso, provocando alteração gradual na matriz energética dos transportes.
O espaço para os híbridos e elétricos, segundo Coelho, deve crescer principalmente em nichos, como serviços de entregas e aplicativos de compartilhamento. Outro caminho possível é que eles sejam adotados em massa como veículos do serviço público.
A projeção da EPE para o futuro dos veículos leves no país é que, no curto prazo, ocorram melhorias na eficiência energética dos motores a combustão; no médio prazo, crescimento dos carros flex; e, no longo prazo, domínio dos biocombustíveis.
Projeto
O PLS 454/2017 proíbe a venda de veículos 0 km com motor a combustão a partir do ano de 2060 em todo o território nacional. Veículos abastecidos exclusivamente com biocombustíveis poderão continuar a ser comercializados.
A mudança será gradual. A partir de 2030, 90% dos veículos vendidos poderão ter tração automotora por motor a combustão. O percentual passará para 70% em 2040 e para apenas 10% em 2050. O objetivo é diminuir o consumo de combustíveis fósseis e, consequentemente, a emissão de poluentes atmosféricos. A proposta altera a Lei 8.723, de 1993, que trata da redução das emissões de poluentes por veículos automotores.
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