Os mais jovens não se lembram – muitos nem ouviram falar do assunto – mas um projeto surgido em Alagoas como opção no uso de combustíveis deu certo na prática, porém não vingou por razões até hoje nunca bem esclarecidas.
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Trata-se do Projeto Chambrin, criado por um francês e incentivado pelo engenheiro e empresário alagoano Jarbas Oiticica, que possibilitava a circulação de veículos automotores com a utilização, como combustível, de 50% álcool e outros 50% água.
Detalhes dessa história são relatados em matéria do gaúcho José Luís Costa:
“Aos 51 anos, em maio de 1976, o engenheiro francês Jean Pierre Marie Chambrin fechou sua oficina de assistência técnica para a montadora Citröen, em Rouen, na Normandia, para desenvolver sua invenção em Alagoas. No ano anterior, tinha criado o Reator Chambrin, um mecanismo automotivo que aproveitava gases quentes do escapamento para aquecer o combustível, álcool e água, isolar o hidrogênio e aproveitá-lo como fonte de energia para motores.
Na França, Chambrin gozava de elevado conceito no meio científico com prêmios e a distinção de ‘engenheiro expert em mecânica’. Chambrin chegou ao Brasil pelas mãos do empresário Jarbas Oiticica, diretor da Estação Experimental de cana de açúcar de Maceió, que planejava aproveitar os conhecimentos do francês para impulsionar o álcool alagoano no mercado brasileiro. A bordo de um Corcel, o invento de Chambrin foi testado com sucesso no Parque de Motomecanização do Exército, em Recife (PE), viajou para o centro do país e Brasília, despertando atenção até do general Ernesto Geisel, então presidente da República (1974 a 1979), que já tinha dirigido a Petrobras.
Em abril de 1977, a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU) se interessou pelo reator para equipar a frota de ônibus nas grandes cidades, e um contrato de prestação de serviços por quatro meses foi assinado. Chambrin recebeu R$ 13 mil de salário, diária de R$ 473 (valores corrigidos) e um carro para uso pessoal.
A EBTU avaliaria o desempenho de um ônibus-protótipo, mas nunca mandou um ônibus para Maceió. Chambrin adaptou o reator em um caminhão emprestado por Oiticica. Em maio de 1978, dois técnicos da EBTU rodaram com o veículo, mas o teste não foi conclusivo. Alegaram desconhecer o funcionamento completo do reator, e Chambrin se negava a revelar o segredo.
A escolha pelo Sul
Desiludido com a EBTU e com o fim do contrato, Chambrin deixou-se levar pelo coração. Em 15 de outubro de 1978, desembarcou em Porto Alegre. Atravessou o Brasil para reencontrar a socióloga Maria Elena Knüppeln de Almeida, 16 anos mais jovem, viúva, servidora da Fundação de Economia e Estatística (FEE).
Os dois se conheceram no hotel onde Chambrin morava, em Maceió. Passaram a morar juntos na casa dela no bairro Cristal, na esperança de que a EBTU comprasse o invento por R$ 19,4 milhões (valores corrigidos), o que nunca aconteceu.
Em 1979, o governo gaúcho conheceu Chambrin por meio de reportagens e vislumbrou uma parceria com o francês. Maria Elena intermediou encontro de Chambrin com o secretário de Administração, Olímpio Tabajara.
Considerada uma questão estratégica e de segurança nacional, em plena ditadura militar, a proposta foi encampada pelo Palácio Piratini e levada ao conhecimento de Brasília, recebendo o sinal verde do governo do general João Batista Figueiredo (1979 a 1985).
A partir de então, o Piratini ordenou que a Casa Militar e o Comando-geral da BM acomodassem, sem alarde, o francês em uma unidade da corporação para ele desenvolver suas experiências. Chambrin foi trabalhar no Quartel Central do Corpo de Bombeiros, na Capital.
Apoiado por uma equipe de mecânicos da BM, em 14 de julho de 1980, Chambrin começou as adaptações em motores de dois veículos: a viatura 80, um caminhão Mercedes-Benz 1113, ano 1969, e a viatura 827, um Corcel, preto, ano 1974, placas AS-7825.
O sócio, Golbery e o SNI
Os contatos entre Chambrin e o Piratini eram intermediados pelo arquiteto Waldir José Maggi, secretário de Obras Públicas do governo Ildo Meneghetti (1963 a 1966). Maggi foi convidado pelo governo para ser coordenador do projeto e virou sócio do francês. Juntos, em 1981, criaram as empresas Agal Reatores e Changer Tecnologia e Patentes. Acreditavam que o projeto prosperaria se estivesse em sintonia com a iniciativa privada.
Maggi mantinha tratativas com o ministro chefe da Casa Civil da Presidência da República, general Golbery do Couto e Silva e com o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), general Octávio Medeiros.
…
Chambrin fez funcionar com sucesso o Corcel e o caminhão da BM, recebendo R$ 29,9 mil em 1981 das mãos de Maggi. Em viagens para Caxias do Sul e Osório, o carro consumiu um litro (50% água, 50% álcool), em média, a cada 9,4 quilômetros. O caminhão fez 4,5 quilômetros por litro.
Chambrin ganhou um trator para novas experiências. A Casa Militar, em documento reservado, que deveria ser eliminado após a leitura, pediu emprestado à CEEE um caminhão e um gerador Stemac. Requisitou à Corsan um Mercedes-Benz 1113 e uma Belina II.
…
O francês revogou procurações que autorizavam Maggi a encaminhar os registros de patente do invento no Exterior e rompeu a sociedade. Chambrin suspeitava ser vítima de uma manobra que visava boicotar seu invento.
Maggi, o SNI e o Piratini desconfiavam que Chambrin se aproveitaria do momento para negociar o invento com terceiros. Um homem, se dizendo representante de uma montadora, teria procurado Chambrin e visitado a oficina.
A situação era grave, e a decisão do Piratini, em nome da segurança nacional, foi de lacrar a oficina e evitar que Chambrin pudesse ‘causar prejuízos incalculáveis ao país’. Em 8 de dezembro de 1982, Chambrin foi barrado na entrada da oficina por um soldado armado.
Na França, diziam que Chambrin morrera em acidente de carro. Chambrin morreu em casa, fulminado por um infarto, aos 64 anos, em 4 de novembro de 1989. Maria Elena se tornara herdeira.
As especulações sobre o destino do Reator Chambrin corriam o mundo. Do interior gaúcho ao Kansas (EUA), surgiam boatos de que o invento tinha sido pirateado e estaria rodando pelas ruas.
O segredo do reator foi enterrado com Chambrin no túmulo 625313 do Cemitério João XXIII, na Capital. Maria Elena, morta em 1996, ocupa o mesmo jazigo.”
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