Professor da USP detecta antidepressivos na bacia do Tietê

Publicado em 27/12/2023, às 22h17
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Por Marcos Hermanson/Folhapress

Com ajuda de 40 pesquisadores de sete universidades públicas e do Instituto Butantan, o biólogo e professor da USP (Universidade de São Paulo) Luis Schiesari conduz um mapeamento inédito da vida e da qualidade da água na bacia do rio Tietê.

A pesquisa coordenada por ele faz uma varredura da presença de remédios –como os antidepressivos–, agrotóxicos, drogas recreativas, bactérias e vírus em 52 pequenas bacias hidrográficas que alimentam o rio Tietê na região metropolitana de São Paulo.

O mesmo estudo também compara a morfologia e o comportamento de diferentes espécies de peixes, anfíbios e invertebrados que vivem nesses habitats. A ideia é entender como o avanço na cobertura urbana impacta os ecossistemas aquáticos e, a partir daí, traçar estratégias para protegê-los.
A pesquisa é financiada por USP, Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

O grupo de pesquisa publicou seu primeiro artigo, assinado pelo professor Ricardo Taniwaki, da UFABC, em novembro. O trabalho mostrou presença de RNA do vírus da Covid em rios e riachos monitorados, particularmente naqueles com cobertura urbana média e saneamento básico deficiente.
Também em novembro, Schiesari submeteu ao periódico "Science of Total Environment" um novo artigo com dados que indicam presença de antidepressivos na bacia do Alto Tietê –trecho do rio que vai de Salesópolis (SP) até Pirapora do Bom Jesus (SP).

A varredura incluiu 200 moléculas de fármacos e foi feita em parceria com o professor José Luiz da Costa e com a biomédica Aline Franco Martins, ambos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Segundo os dados submetidos, que ainda passarão por revisão de pares, 93% das bacias com algum nível de cobertura urbana continham de uma a oito moléculas diferentes de antidepressivos –venlafaxina, bupropiona e sertralina foram as mais frequentes.

Essas moléculas podem chegar aos pontos de coleta por descarte direto ou em meio a fezes e urina despejadas por ligações clandestinas nos rios.
A lei brasileira não determina um valor máximo para concentração de fármacos na água tratada e, de modo geral, sistemas de tratamento não são eficazes em removê-los da água. Mesmo metabolizadas, as moléculas ainda podem exercer efeito farmacológico sobre seres vivos.
"Embora não se espere que tenham efeito agudo, por definição são moléculas projetadas para ter efeito biológico e por isso podem ter impactos não antecipados sobre organismos e ambientes", diz Schiesari à Folha de S.Paulo.

Embora os efeitos do acúmulo de antidepressivos sobre a vida aquática ainda não sejam totalmente conhecidos, pesquisas publicadas nos últimos anos indicam que eles podem afetar desenvolvimento, comportamento reprodutivo e padrões de caça de peixes e outros animais.
Procurada pela reportagem, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), agência de governo responsável pelo monitoramento da qualidade da água no estado de São Paulo, diz que monitora resíduos de anti-inflamatórios e anticoncepcionais na água de riachos e córregos no estado.

Também procurada, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), responsável por tratar água e esgoto na região metropolitana, afirmou que as estações de tratamento atendem aos padrões da legislação dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.
Formado em biologia pela USP, mestre e doutor em ecologia pela Universidade de Michigan (EUA), Schiesari já conduziu trabalhos de campo na amazônia central, cerrado e mata atlântica.

Há mais de uma década, no entanto, se dedica a estudar a vida em ambientes alterados pela ação humana, como pastagens, lavouras e cidades. Por isso, se define como um ecólogo de ambientes modificados.

"O ambiente preservado é insubstituível em termos de serviços ecossistêmicos e biodiversidade, mas é possível desenhar estruturas humanas de menor impacto", diz o cientista. "Para isso, precisamos entender os ecossistemas modificados."
No final de novembro, a reportagem da Folha de S.Paulo acompanhou Schiesari em duas bacias analisadas pelo projeto de pesquisa, batizado de "Ecologia dos Ambientes Modificados".

A primeira é a do rio Grande, no Parque Municipal Nascentes de Paranapiacaba, em Santo André (SP). Ela é o que o professor chama de referência: está inteiramente preservada e serve como base de comparação para o estudo de riachos degradados.

A segunda, na periferia da cidade de Mauá (SP), está quase totalmente integrada à malha urbana. No ponto visitado pela reportagem, o córrego tem trajeto retificado e um muro de contenção em ambas as margens. Além disso, recebe lixo e esgoto por ligações clandestinas.
De acordo com a Sabesp, 660 mil pessoas vivem sem coleta de esgoto na cidade de São Paulo –conta que, segundo especialistas, está subestimada por excluir moradias irregulares. É esse esgoto, despejado de forma irregular em córregos na periferia, que deságua no Tietê e alimenta a mancha de poluição do rio, hoje com 160 km de extensão.

Schiesari frisa que o saneamento básico é o primeiro passo para recuperar os rios urbanos enquanto ecossistemas, mas não é bala de prata.
Também é preciso rever estratégias utilizadas no passado, como retificações de curso, concretagens de margens e aterramentos, diz ele. Segundo dados da Prefeitura de São Paulo, 280 rios paulistanos hoje estão debaixo da terra.

"As soluções de engenharia mais comuns foram pensadas para garantir eficiência hidráulica aos rios, e não para preservá-los enquanto ecossistemas", diz o professor.

Em ambientes preservados, rios e riachos têm curvas, corredeiras, poças e pedras que garantem a sobrevivência de uma série de organismos especialistas, aqueles que vivem apenas em condições ambientais específicas.

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