O Ministério Público Federal em Pernambuco prepara ação civil que aponta superfaturamento da Odebrecht na obra da arena que sediou jogos da Copa do Mundo de 2014 no estado, apesar de a empreiteira não admitir a irregularidade em seus acordos com procuradores.
Também devem ser alvo da ação agentes públicos como o governador Paulo Câmara (PSB), que à época integrava o comitê gestor da parceria público-privada do estado. Pré-candidato à reeleição, Câmara nega as suspeitas.
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As apurações se baseiam na Operação Fair Play da Polícia Federal, que investigou os contratos e a construção da Arena Pernambuco, e em auditoria do Tribunal de Contas do Estado que encontrou ao menos R$ 80 milhões em sobrepreço, em valores de 2009.
A Procuradoria em Pernambuco entende que essas apurações não se vinculam ao acordo de leniência (espécie de delação de empresas) firmado pelo com a Odebrecht pelo Ministério Público Federal no Paraná, que limita a possibilidade de ingressar com ações contra a empreiteira.
A Odebrecht admitiu apenas que combinou com a construtora Andrade Gutierrez para vencer a licitação da Arena Pernambuco, mas não que elevou o preço da obra. Em troca, a outra empresa ficaria com a reforma do estádio Mané Garrincha, em Brasília.
As ações da Fair Play em Pernambuco estão sob responsabilidade da procuradora Silvia Regina Pontes Acioli, que aderiu ao acordo de leniência. Ela entende, porém, que os fatos confessados pela empresa não impedem a apresentação de ações a respeito de outras eventuais irregularidades encontradas na obra.
"O superfaturamento não é objeto de acordo nenhum assinado por mim", afirma ela.
Recentes decisões da Justiça, inclusive do juiz Sergio Moro, foram tomadas para que provas fornecidas nos acordos não sejam usadas para abrir ações contra colaboradores. Acioli afirma que tem respeitado o acordo de leniência e que investiga fatos que exteriores ao que foi dito.
A Odebrecht sustenta que propinas pagas a agentes públicos serviram apenas para garantir vitórias em licitações. A empresa diz que não houve superfaturamentos, embora ao menos 15 perícias oficiais da PF e tribunais de contas contestem essa versão.
O direcionamento de licitação na Arena Pernambuco foi delatado por João Pacífico, ex-diretor da Odebrecht no Nordeste. Ele diz que a pedido do então governador Eduardo Campos (PSB), morto em 2014, a Odebrecht decidiu construir o estádio.
Para que não houvesse questionamentos do Ministério Público sobre a concorrência pública, foi negociado com a Andrade Gutierrez a apresentação de uma proposta falsa para a obra.
Para construir e operar o estádio, a Odebrecht criou um consórcio chamado Arena Pernambuco Negócios e Investimentos S. A –formado pela Odebrecht Engenharia e Odebrecht Investimentos em Infraestrutura. A obra seria feita nos moldes de uma parceria público-privada, com financiamento do BNDES.
Após a escolha da empreiteira, o TCE, órgão responsável por fiscalizar contas públicas, encontrou indícios de irregularidades nas planilhas apresentadas pela Odebrecht para a construção do estádio.
Segundo o conselheiro Dirceu Rodolfo, relator do processo, a empreiteira apresentou valores genéricos ao órgão, o que motivou uma auditoria técnica do tribunal. Chegou-se à conclusão de que a obra deveria custar R$ 398 milhões, em valores de 2009, e não R$ 479 milhões, como apontado pelo consórcio.
Já a Polícia Federal, que além de auditoria também analisou provas obtidas na Fair Play, chegou à conclusão de que a obra devia ter custado R$ 417 milhões, também com base em valores de 2009.
O TCE pernambucano ainda não julgou os processos sobre a arena. Dirceu Rodolfo afirma que tenta obter provas da delação da Odebrecht no Supremo Tribunal Federal para robustecer o seu relatório. Mesmo que não consiga, pretende por as contas em julgamento este ano.
A Procuradoria de Pernambuco tem esperado a conclusão desse julgamento do TCE para apresentar a ação por superfaturamento.
Procurada, a Odebrecht informou em nota que "no momento oportuno, a Odebrecht Engenharia e Construção apresentará os argumentos relacionados aos processos mencionados na matéria à Justiça e aos respectivos órgãos competentes".
Por meio de nota, Paulo Câmara afirma que não houve superfaturamento e também diz que não há qualquer irregularidade na concorrência pública que a Odebrecht ganhou para construir a Arena Pernambuco.
A Andrade Gutierrez e o Ministério Público Federal no Paraná não se manifestaram.
Concessão do estádio deu prejuízo e está rompida há 2 anos
Além das suspeitas de irregularidades na construção, a concessão da operação da Arena Pernambuco também foi problemática e levou ao rompimento do contrato do governo com a Odebrecht.
Com "receitas frustradas" e pouca utilização, segundo o governo, o estádio teve a concessão 30 anos rescindida em março de 2016. Até agora nenhuma empresa assumiu a operação do estádio.
Em 2011, o TCE já apontava que a previsão de receita apresentada pela Odebrecht estava inflada, mas a contratação foi aprovada pelo órgão com ressalvas.
Atualmente, o estádio tem recebido alguns jogos do Sport pela Série A do Campeonato Brasileiro.
O governo diz que o contrato de concessão foi aprovado pelos órgãos reguladores – além do TCE, pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e por análises dos Ministérios Públicos. A Odebrecht não se manifestou sobre o assunto.
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