O Brasil está envelhecendo rápido. Hoje são quase 30 milhões de idosos, ou 14,3% da população brasileira. Em 2030, estima-se que o país tenha mais idosos do que crianças, com 41,5 milhões (18%) de pessoas com idade superior ou igual a 60 anos e 39,2 milhões (17,6%) entre zero e 14 anos. O crescimento deve continuar até 2060, quando cerca de 25% da população terá 65 anos ou mais.
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De acordo com especialistas, a despeito da clara mudança no perfil demográfico que vem ocorrendo há algumas décadas, ainda falta uma política adequada para cuidar dessa parcela crescente da população. O tema foi debatido no Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, organizado pela FAPESP em parceria com o Instituto do Legislativo Paulista, no dia 30 de setembro.
“Precisamos pensar a respeito de qual velhice falamos e sobre como reordenar as políticas públicas frente a crescentes demandas apresentadas por esse grupo. Envelhecimento sempre será um triunfo, nunca deve ser visto como um problema. Basta pensar em qual é a alternativa. O que precisamos é envelhecer bem e, se isso não for possível, é necessário que exista uma estrutura social pronta para atender as demandas que cada um de nós possa vir a apresentar”, disse Yeda Duarte, coordenadora do Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE), apoiado pela FAPESP, sobre as condições de vida e saúde dos idosos residentes no município de São Paulo.
Além de Duarte, o evento realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) contou com a participação de Marcia Scazufca, professora da Faculdade de Medicina da USP; Maria Helena Villas Boas Concone, da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Victor Dourado, do Instituto de Saúde e Sociedade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
De acordo com Concone, não se trata simplesmente de criar estruturas de apoio para os próximos 20 anos. Há carência na atualidade, afinal o aumento da longevidade e a redução do número de nascimentos já alteraram a estrutura demográfica brasileira.
No país, o número de habitantes em idade economicamente produtiva (entre 15 e 64 anos) já é menor que o total de brasileiros considerados dependentes (idosos e crianças). O fim do chamado bônus demográfico – considerado o ideal para o crescimento econômico de um país – foi anunciado no fim de 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cinco anos mais cedo que o previsto.
“Ocorre uma mudança na pirâmide etária e a pergunta óbvia que fica é: como se dará o cuidado ao idoso?”, disse Concone.
De acordo com a pesquisadora, para preparar estruturas de apoio e políticas públicas para essa parte da população é preciso entender que o processo de envelhecimento, embora seja global, ocorre de maneira diferente de uma pessoa para outra. “Mais que velhice, deveríamos falar em velhices”, disse.
Envelhecendo bem?
Na última coleta de dados do projeto SABE (2017), com idosos da cidade de São Paulo, verificou-se que parte das pessoas que hoje têm entre 60 e 65 anos chega a essa idade com condições funcionais comprometidas em comparação às gerações anteriores e necessitando de cuidados. O achado reflete a necessidade de reorganizar a sociedade e criar estruturas e políticas para atender a essas novas demandas.
“Estamos falando das pessoas que nasceram entre 1951 e 1955, na época da denominada 'revolução cultural' ou nos 'anos dourados'. São pessoas que vivenciram profundas e significativas mudanças nos padrões sociais e só agora será possível saber o impacto ocasionado. Elas vão viver muito, mas, dado ao seu comprometimento funcional em idades mais precoces, talvez envelhaça com menos qualidade de vida. Junto a isso, temos uma população jovem que está progressivamente sendo reduzida, o que impactará de alguma forma nas futuras estruturas de cuidado para as pessoas longevas que dele necessitarem”, apontou Duarte.
O estudo multicêntrico teve início em 2000, por iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). Na primeira edição do SABE foram entrevistadas pessoas de 60 anos ou mais em sete centro urbanos da América Latina e do Caribe, entre elas São Paulo. Com apoio da FAPESP, somente no Brasil (coorte de São Paulo) o estudo teve continuidade, transformando em logitudinal, com acompanhamento de idosos em 2006, 2010 e, em 2015, teve sua quarta edição.
De acordo com os resultados do estudo SABE, os idosos que hoje estão com 80 anos apresentaram melhores condições funcionais e de saúde no início do projeto (quando estavam na casa dos 60 anos) quando comparados aos idosos entrevistados na última coorte, pois mesmo que tenham vivido com maior precariedade, tiveram uma história pregressa com hábitos mais saudáveis.
“Eles ingeriam alimentos mais naturais, de melhor qualidade, tinham hábitos mais saudáveis e tomavam menos medicamentos. Isso teve impacto em seu curso de vida e acabou influenciando seu processo de envelhecimento. Embora possam parecer muito frágeis, a geração que está hoje com 80 era muito mais forte do que a que está chegando agora aos 60, considerando que o menos fortes não alcançaram as idades mais longevas”, disse.
Outra constatação do SABE é que, entre os 1,7 milhão de idosos da cidade de São Paulo, existe uma crescente parcela que mora sozinha. “A maioria mora com os filhos. Porém, se juntarmos os que moram sozinhos, os casais de idosos e os que residem com outros idosos, teremos que em 43% das casas residem apenas idosos. E vale lembrar que hoje cerca de um quarto dos idosos em São Paulo apresenta dificuldades para exercer atividades básicas da vida diária e, portanto, precisa de cuidador presencial. Isso merece atenção de políticas públicas”, disse Duarte.
Tratamento para depressão
Nesse sentido, outro estudo abordado no Ciclo ILP tratou da depressão, doença que afeta 10% da população de idosos. O projeto Proactive, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em colaboração com o Kings College London (Reino Unido), está realizando um ensaio clínico sobre cuidado colaborativo em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS).
“A depressão é um problema em todas as fases da vida. Entre os idosos, ela se torna especial, pois eles podem ter outras doenças e problemas de mobilidade que dificultam o tratamento. Outro agravante é que os idosos, muitas vezes, tomam outras medicações (polifarmácia) e, portanto, acrescentar mais um remédio à rotina pode ser um problema”, disse Scazufca.
O projeto-piloto avaliou o custo-benefício do programa, que prevê 17 semanas de intervenção composta de visitas às casas de 1.400 participantes cadastrados em 20 Unidades Básicas de Saúde de Guarulhos (SP). A expectativa agora é que o programa, em nova fase, atenda um número maior de pessoas na cidade.
O problema inicial identificado é a falta de diagnóstico. “No nosso estudo, apenas 5% dos idosos com depressão foram diagnosticados, sendo que apenas 12% desses receberam tratamento, que se resume a medicação”, disse.
Ainda em relação ao fenômeno das várias velhices, outro estudo realizado na Unifesp mostrou que, embora exista uma tendência para o uso de smartphones, quase todos os aplicativos voltados à promoção da atividade física são feitos para pessoas sem problemas de saúde.
“Analisamos diversos aplicativos e notamos que, além de terem pouca base na ciência, são pensados para pessoas mais jovens e sem problemas cardiovasculares”, disse Dourado.
A partir dessa constatação, o pesquisador criou, com apoio da FAPESP, o aplicativo PAUL (Playful Active For Urban Life). “Precisamos desenvolver acessibilidade da atividade física para as pessoas que mais precisam e que têm risco cardiovascular”, disse.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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