Não pode ser considerado crime portar maconha para uso pessoal no Brasil. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu uma punição mais branda para esses casos, que vão ser tratados como ato ilícito administrativo.
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O julgamento começou em 2015 e foi suspenso várias vezes por pedidos de vista - mais tempo para análise. O caso é sobre um recurso apresentado pela defesa de um homem flagrado com 3 g de maconha e condenado a dois meses de prestação de serviços comunitários. A Defensoria Pública pediu a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas porque considerou que o caso não deveria ser crime, já que não causou danos à saúde pública - só a do usuário. A defensoria argumentou também que a punição violou princípios da intimidade e da vida privada.
O artigo não prevê prisão para o caso de uso pessoal, mas penas como prestação de serviços à comunidade. Mas a lei, contudo, não traz critérios objetivos para diferenciar o uso pessoal e tráfico. Essa diferenciação é feita pela polícia, pelo Ministério Público ou pela Justiça.
O que os ministros debateram é se esse artigo é constitucional, se prevê uma punição administrativa - mais branda, só com advertência ou medidas educativas - ou penal - mais rigorosa, como a prestação de serviços à comunidade. E qual a quantidade que diferencia um usuário de um traficante, que pode pegar entre 5 a 15 anos de prisão.
Até semana passada, cinco ministros haviam votado para considerar que o artigo é inconstitucional e que o porte de maconha é uma infração com punição administrativa, mais branda. O relator Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Rosa Weber - que votou antes de se aposentar. Três ministros entenderam que o artigo é constitucional, mas possui uma natureza penal, ou seja, mais rigorosa. Votaram nesse sentido Cristiano Zanin, André Mendonça e Kassio Nunes Marques.
Nesta terça-feira (25), Dias Toffoli complementou o voto da semana passada. O ministro considerou que a Lei de Drogas é constitucional porque, segundo ele, o texto já é claro no sentido de que nenhum usuário de qualquer droga pode ser criminalizado. Toffoli deu o sexto voto para não criminalizar o uso pessoal da maconha, formando maioria na Corte. O ministro também defendeu uma política pública em relação aos usuários.
“O meu voto é claríssimo no sentido de que nenhum usuário de nenhuma droga pode ser criminalizado. Nenhum usuário de nenhuma droga pode ser criminalizado. Esse foi o objetivo da lei de 2006. O objetivo da lei de 2006 foi descriminalizar todos os usuários de drogas. Da minha parte, a lei foi editada com o objetivo de tratar do ponto de vista socioeducativo e de saúde pública os usuários de drogas, de todas. Tratar os dependentes e punir severamente os traficantes e financiadores do tráfico”, disse o ministro Dias Toffoli.
Na sequência, o ministro Luiz Fux considerou constitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, que, segundo ele, já não prevê penalidades criminais aos usuários de maconha. Fux ainda afirmou que a lei tem que ser para todos e não penalizar uma parcela mais pobre da população; e defendeu que cabe ao Congresso definir regras sobre o porte de drogas.
A última a votar foi a ministra Cármen Lúcia. Ela foi a favor de descriminalizar o uso pessoal da maconha. Considerou que o artigo é inconstitucional e que cabem penas somente administrativas. E, com base em números apresentados ao longo do julgamento, afirmou que a lei tem que prever tratamento igualitário para todos.
“Aquele menino ou aquele rapaz ou aquela pessoa que fosse pego em uma determinada localidade, com determinadas características pessoais era considerado traficante com uma quantidade muito menor de droga do que outro, em outra situação, em outro local, com outras características pessoais passava a ser considerado apenas usuário. Não tenho dúvidas que essa ausência de critérios leva a uma situação de indefinição que rompe princípios constitucionais da igualdade, da segurança pessoal, da ausência de uma norma penal definidora e, portanto, aplicada segundo o arbítrio daquele que a aplica - seja policial, seja do Ministério Público, seja do Poder Judiciário”, afirmou a ministra.
Na conclusão da sessão, o presidente Luís Roberto Barroso afirmou que a Corte considera que o consumo de drogas um ato ilícito e que criminalizar não é a melhor maneira de lidar com um problema de saúde pública.
“Gostaria de deixar claro nessa proclamação provisória que o plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, considera que o consumo de drogas ilícitas é uma coisa ruim e que o papel do Estado é evitar o consumo, combater o tráfico e tratar os dependentes. Portanto, em nenhum momento nós estamos legalizando ou dizendo que o consumo de drogas é uma coisa positiva. Pelo contrário, nós estamos apenas aqui deliberando a melhor forma de enfrentar essa epidemia que existe no Brasil e que as estratégias que temos adotado não estão funcionando porque o consumo só faz aumentar e o poder do tráfico também".
O julgamento volta nesta quarta-feira (26) para fechar algumas definições. Entre elas, como diferenciar o usuário do traficante. A maioria dos ministros declarou ser a favor de fixar uma quantidade para uso pessoal até a palavra final do Executivo ou do Congresso Nacional.
O Senado já aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição para tornar crimes o porte e a posse de qualquer droga, independentemente da quantidade. O texto também já passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e vai ser analisado por uma comissão especial da Casa, criada nesta terça-feira (25), antes de seguir para a análise do plenário.
O autor da PEC é o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Ele disse que discorda da decisão do STF e que a discussão compete ao Legislativo e à Anvisa.
“Eu discordo da decisão do Supremo Tribunal Federal. Eu já falei por mais de uma vez a respeito desse tema. Eu considero que uma descriminalização só pode se dar através do processo legislativo e não por uma decisão judicial, há razões, inclusive, expostas nesse sentido. Essa questão das drogas e da descriminalização das drogas é uma ideia que é suscitada em diversas partes do mundo, mas há um caminho próprio para se percorrer nessa discussão, que é o processo legislativo. A própria consideração de determinadas substâncias como substâncias entorpecentes ilícitas. Então, há uma lógica jurídica, política, racional em relação a isso que, na minha opinião, não pode ser quebrada por uma decisão judicial que destaque uma determinada substância entorpecente, invadindo a competência técnica que é própria da Anvisa e invadindo a competência legislativa que é própria do Congresso Nacional”.
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