Pesquisador encontra obra de Villa-Lobos dos anos 1930 considerada perdida

Publicado em 10/08/2018, às 19h23
Repeodução/VEJA
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Por VEJA.com

Um manuscrito do compositor Heitor Villa-Lobos considerado perdido foi encontrado depois de décadas em Brasília. A descoberta da parte de piano do Concerto Brasileiro para Dois Pianos e Coro, estreado no Rio de Janeiro em 1934 pelo próprio compositor e pelo pianista José Vieira Brandão, foi feita pelo pesquisador Alexandre Dias, criador e diretor do Instituto Piano Brasileiro. “É como se perceber diante de um osso de um tiranossauro rex”, diz ele.

A partitura manuscrita referente às intervenções do coro já pertencia ao acervo do Museu Villa-Lobos, mas, sem o restante da música, o catálogo do compositor a definia como incompleta e perdida. “Na verdade, sem a parte do piano, não dava para entender exatamente o que o compositor buscava alcançar com a partitura. Agora, é possível enxergar com mais clareza o que ele propunha”, explica ainda Dias.

A história da descoberta começou há alguns meses, quando Márcio Brandão, filho de José Vieira Brandão, procurou o Instituto Piano Brasileiro, criado em 2015 com o objetivo de reunir, digitalizar e editar acervos de compositores e pianistas brasileiros. “José Vieira foi grande amigo, o braço direito de Villa-Lobos, estreou obras como suas Bachianas Brasileiras n.º 3 e o Ciclo Brasileiro“, lembra Dias. “O Márcio tinha 145 pastas grandes com manuscritos, fotos, cartazes, programas, gravações. Para se ter uma ideia, já digitalizamos cerca de 8.000 páginas, e isso corresponde a 10% do material que estava disponível.”

Entre esse material, Dias encontrou uma partitura com a anotação Atrevido, escrita para dois pianos. “Ali o sinal de alerta acendeu, porque o Concerto Brasileiro foi uma homenagem a Ernesto Nazareth, e sabíamos que nele o Villa evocava duas obras dele, Atrevido e Odeon. Comparamos então com a parte do coro e elas se sobrepunham, encaixavam.” No mesmo acervo, Dias encontrou outra raridade: a transcrição para piano dos estudos para violão, feita por Vieira Brandão. “Já conhecíamos os estudos de 1 a 8, mas agora encontramos os de números 9 a 12, ou seja, o ciclo completo, que vamos editar, trabalhando também com a pianista Sonia Rubinsky para que ela faça a estreia moderna dessas peças.”

O Instituto Piano Brasileiro é uma iniciativa de Dias, que, ao lado de alguns parceiros, já descobriu peças inéditas de Nazareth, João Pernambuco e Fructuoso Viana, entre outros autores. Em três anos, mais de 200.000 documentos já foram digitalizados, além de centenas de gravações, muitas delas inéditas. Só do acervo da pianista Neusa França, foram extraídos 200 registros (todos colocados no YouTube), com gravações raras: entre elas, há Claudio Santoro regendo concerto com Nelson Freire como solista, recitais de Magda Tagliaferro e uma infinidade de registros de outros artistas, como o compositor Camargo Guarnieri.

“O resgate da obra de um compositor segue três critérios. O primeiro é a criação de um catálogo e, em segundo, a edição com revisão crítica das obras. Para isso, é preciso, claro, encontrar todas as peças. E, em terceiro, vem a realização de uma gravação integral. No Brasil, hoje, o único compositor cujo trabalho de resgate cumpre esses critérios é Ernesto Nazareth. O único. Sabemos do modo como o País lida com seu passado, mas essa situação não pode ser aceita, considerada normal. Sei que praticamente todos nossos autores têm coisas perdidas por aí, e isso é algo que não consigo tirar da cabeça”, conclui.

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