Perdi casamento, emprego e R$ 100 mil com vício em bets, conta gestor

Publicado em 03/10/2024, às 21h10
Perdi casamento, emprego e R$ 100 mil com vício em bets, conta gestor | Danilo Verpa / Folhapress
Perdi casamento, emprego e R$ 100 mil com vício em bets, conta gestor | Danilo Verpa / Folhapress

Por Folhapress

Com o crescimento das bets no Brasil, tem aumentado os relatos de pessoas que se viciaram nos jogos, enfrentando problemas financeiros e mentais devido ao problema.

Felipe (nome fictício), 38, pai de três filhos, é um desses casos. Morador de Niterói, no Rio de Janeiro, ele era casado havia 10 anos, geria uma equipe na área de atendimento, e recebia salário de R$ 9.600, mas viu a vida ruir depois de começar a jogar.

"Um colega de trabalho me mostrou aposta esportiva e me interessei porque entendo de futebol, e quando a gente ganha o ego fica inflado", afirma. Ele pediu para não ter seu nome verdadeiro divulgado.
Na época da Copa do Mundo de 2022, Felipe chegou a ganhar R$ 62 mil em uma hora.

"Nessa época, eu já tinha dívida em banco, devia para alguns colegas, e mais R$ 25 mil para agiota. O dinheiro que ganhei dava para pagar toda a dívida, mas paguei só R$ 10 mil e fui jogar na ambição de querer mais, quando você ganha não quer parar. Eu perdi todo o dinheiro.".

Logo, ele migrou das apostas esportivas para o cassino online.

"A conta não fecha. Minha esposa me ligava e falava o que tava faltando em casa. Eu não tinha dinheiro. Pedia emprestado, jogava para tentar recuperar, mas perdia mais ainda. Fazia questão de ficar mais tempo na rua, chegava em casa e mentia que o mercado estava fechado", afirma ele.

A esposa então começou a reclamar que o dinheiro não chegava em casa e que ele não saía do celular.

"Cometi atos ilícitos, acessei aplicativo do banco e peguei dinheiro de pessoas próximas a mim, peguei dinheiro no banco no nome da minha esposa. Pedia dinheiro para meus funcionários. Eles faziam empréstimo consignado porque eu não tinha mais margem", afirma.

Felipe passou a investir o tempo pensando em formas de arranjar dinheiro para jogar.

"Era uma tortura psicológica. Conseguia R$ 500, R$ 1.000 e isso ia embora em questão de horas. Já acordei de madrugada esperando o salário cair para colocar na plataforma e jogar. Às 6h, já não tinha mais nada."

Ele já chegou a pegar R$ 1.500 –que seriam para o pagamento da escola de dois dos filhos– e usar para jogar.

"Eu jogava e perdia. É uma compulsão porque a gente sempre quer mais. Não existe a possibilidade de ganhar e parar", afirma.

A situação se complicou ainda mais quando perdeu o emprego —segundo ele, após uma pessoa para quem devia ter denunciado o caso para a empresa na qual trabalhava.

O casamento acabou em março de 2023, 20 dias depois da demissão, quando a esposa descobriu um empréstimo de R$ 20 mil no nome dela.

"Descobri depois que minha irmã, minha esposa e meus pais conversavam para tentar entender se eu tinha outra família, se estava usando álcool ou drogas.

Felipe então teve de voltar à casa dos pais. O dinheiro da rescisão já tinha sido consumido na plataforma de jogos.

"Eu estava encurralado pelos meus pais, pela minha irmã, pelos amigos me cobrando, pelo agiota, pelo banco, eu não tinha mais o que fazer. Aí abri o jogo. Foi muito difícil porque ninguém entendia. Nunca tinham ouvido falar disso naquele momento", diz.

Felipe passou o aniversário no mês seguinte, abril, sem uma ligação, sem ver os filhos, sem falar com ninguém.

"Eu andava na rua e achava que todos estavam me olhando, me julgando, que sabiam da minha vida. Pensava que o agiota estava atrás de mim e ia me matar. Várias vezes me escondi no meio da rua", conta.

Ele disse que a situação começou a mudar quando um familiar fez as contas e descobriu que devia R$ 98 mil. A pessoa então pagou o valor, e disse que cobraria a dívida depois dele.

A ex-mulher descobriu então os Jogadores Anônimos, grupo de apoio a pessoas viciadas, e o pai o levou em uma reunião, em Niterói.

"Eu estava numa fase em que eu não tinha opção, tinha jogado tudo fora e perdido a confiança das pessoas, sem credibilidade nenhuma. Quando a reunião começou, a chave virou. Fui acolhido sem julgamentos, só escuta de histórias parecidas. Sou muito grato, era a última esperança."

Há um ano e três meses, ele frequenta as reuniões dos Jogadores Anônimos três vezes por semana, em Niterói ou em São Paulo.

Desde janeiro deste ano, Felipe voltou ao mercado de trabalho. Atua em uma empresa em São Paulo em home office. Passa uma semana no Rio de Janeiro e outra na capital paulista.

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