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Pausa para a Leitura: O agora já não vem

POR FERNANDA VAN DER LAAN* | | 14/01/24 - 09h05
Foto: Fernanda van der Laan

Fragmento teu, delicado e sutil.
Eco do destino, veemente e hostil
Condutor rigoroso, inflexível e presente
Guia opressor, sina intransigente.
Mestre austero, em calma serena.
Contorno rígido da alma pequena.
Adorno dos tolos.
Desvalia dos ouros.
Riqueza vã, a prata fria.
Joia dos simples, ilustre calmaria.
Falsa fortuna, destemida ventania.
Freio dos apressados.
Propulsor dos acomodados.
Da matemática, a rigidez.
Da literatura, a escassez.
Na poesia, a beleza pura.
Na arte, a verdade dura.
Demonstrativo cíclico do tempo.
Absoluto e definitivo.
Invariável e furtivo.
Infalível e obsessivo.
Preciso e implacável.
Concreto inquebrantável.
Espantalho incansável.
Invasor inabalável.
Sem falha, sempre avante.
Adiantado, segue adiante.
Simulacro da exatidão.
Impontualidade da perfeição.
Mecanismo impossível de aferir.
Maquinário insistente em existir.
Na quietude, um norte luminoso.
No presente, um laço precioso.
Na inércia, um farol.
Na surpresa, um anzol.
A precisão do elo.
O destino paralelo.
No esforço, um carrossel.
Na finitude, um papel.
Da história, o guardião.
Na existência, o espião.
Da eternidade, uma canção.
O colateral mais adverso.
Em cada momento, um universo.
No mar, uma onda a desvanecer.
Na estrada, um rastro a desaparecer.
No voo, um pássaro ligeiro.
Na despedida, um errante passageiro.
Uma ida sem volta.
O ser humano e a revolta.
Ponto que não regressa no espaço.
Temeridade do erro crasso.
Minuto lento e desordeiro.
Segundo vil e derradeiro.
Hora certa do ponteiro.
Santidade teimosa e fiel.
Detentor impossível do céu.
Do efêmero, o arremate.
Da verdade, o tic tac.
Do numeral, o cardinal.
No infinito, o ponto final.


Não és dono do relógio, mas ele de ti,
O tempo corre e o aqui virou ali.
Não és senhor do tempo, mas refém,
O relógio avança, e o agora já não vem.


► *FERNANDA VAN DER LAAN É PSICÓLOGA / @fernandissima