Pausa para a Leitura: Abraça-te com os olhos certeiros do futuro

Publicado em 31/12/2023, às 09h00
Arquivo Pessoal/Fernanda van der Laan
Arquivo Pessoal/Fernanda van der Laan

Por Fernanda van der Laan*

Recentemente, eu tive a oportunidade de conversar sobre o famigerado 2023 com uma pessoa que estimo. Nada material lhe falta e, aparentemente, a vida foi-lhe generosa com muita saúde e amor em abundância.

“2023 foi o pior ano da minha vida.”

Falou e eu ouvi.

A frase proferida soou como uma heresia em meus ouvidos céticos. Senti-me injustiçada como o ano. Minha réplica foi silêncio. Independentemente de crenças religiosas, o ano sobrevivido deveria ser sagrado. Terreno fértil de vida, espaço prolífico da existência: uma fração da nossa história não poderia sofrer tamanha infâmia.

Meu nobre e infeliz interlocutor, se ao acaso as minhas palavras chegarem a ti, lê atentamente o que tenho a dizer:

Escrevo em 2023 – pode ser que leias isso em 2024 ou 2030 – sinto que quanto mais adiante estas palavras cheguem a ti, mais chances tenho de convencê-lo de minhas ideias. Sei de uma forma lancinante que, por pior que tenham sido as tuas experiências neste ano, sentirás muitas saudades da maioria dos dias de 2023. Tens saúde, aqueles que te amam também. Apesar de te achares velho, daqui a alguns anos, perceberás que não existiu idade melhor do que a exata que tens hoje. Todos os problemas impossíveis que te assombraram imensamente, conseguiste resolver. Tantos rezam por ti antes de dormir. E sabes que não ficaste sozinho nem enquanto dormias. Dorme em paz porque a Justiça dos deuses não falha. Aliás, dorme. Dormir é privilégio dos justos. E és justo – apesar de ter sido injusto com o ano inteiro, com todos aqueles que ficaram ao teu lado todos os dias e com a sorte que te acompanha firme como as batidas do teu coração.

Acredita, um dia essa aparência que te incomoda será um lugar impossível de voltar. A tua família está protegida dos livramentos e segue forte e inabalável o curso da vida: intacta. Todo o dinheiro do mundo não é suficiente para materializar o imenso tesouro vivo que tens agora. Pagarias tudo o que tens para voltar exatamente ao dia de hoje - mesmo quando o tanto que tiveres for multiplicado. Descobrirás que o dinheiro não alcança o que te arranca os melhores sorrisos.

2024 não virá diferente. Ele será quase idêntico a 2023. Aliás, nem notarás diferença quando o calendário virar – quando explodirem os fogos de artifício, te sentirás do mesmo modo que agora. E neste momento, ouça meu conselho: abraça-te a ti mesmo com os olhos certeiros do futuro. Serás feliz quando reconheceres as belezas em um dia depois do outro sem remorso do destino ou ressentimento das estrelas. Supervalorizar pequenezas em meio ao infinito te levarão ao inferno. E mereces o Paraiso. Mereces ver a vida como ela realmente é e, assim, enfim ser feliz. A festa da tua vida já começou. Aproveita cada instante com sortilégio e maravilhamento.

Aceita o ano que vem. Parece novinho e intacto, mas transcende a tua vida e carrega mais de dois milênios de História. O novo que vem tem exatos 2024 anos - a idade de Jesus que nós, os homens, perseguimos, torturamos e crucificamos.

E mesmo quem nunca pensou nisso, triunfou. Se estamos, eu escrevendo e tu lendo, sobrevivemos impunes ao ano de 2023. Por mais duro, tortuoso e incompreensível que tenha sido, foi também caminho e lição. A misteriosa oportunidade de continuar vivo em meio a guerras, azares, mazelas e infortúnios, parece gigante com o exercício da solidariedade cristã.

Que venha o fim de ano, que chegue o fim do mundo. Que toquem as trombetas do apocalipse do renascimento de mais um ano passado que vem. Começa-o sem otimismos ingênuos, mas com a fé das estrelas e a certeza da continuidade da Natureza, que apesar de feroz, é sublime. Mantém a esperança de que está escrito algo importante e que descobrirás algum segredo genuinamente mágico nos dias porvir. O ano que se foi é uma peça necessária para a complexa engrenagem da tua vida. A cada noite, enquanto o mundo adormece, contagens regressivas silenciosas marcam o início de novas e preciosas chances. Reconheça-as. Valoriza-as. Abraça com força aqueles que te amam e sê grato pela misteriosa benção de existir. Perceba a quantidade de cores que teus olhos apreendem. Cultua a Natureza – não existe obra de arte mais perfeita do que as flores, os mares e os campos. Presta atenção nos sons que não costumas ouvir. As vozes de quem amamos são músicas que não tocam indefinidamente. Libera a tensão dos teus ombros, relaxa tuas pernas cansadas de viravoltear e reconheça em teu corpo a morada mais celestial da terra. Pensa em tudo grandioso que espera urgentemente por ti agora. Chega em casa, mesmo que já estejas ali. Valoriza a renovação dos tempos e lembra, meu amigo, que quando eu partir, quando tu partires, o Ano Novo, que hoje parece feio aos teus olhos, nascerá lindo. O sol brilhará do mesmo modo e não poderás sentir as dores e os amores dos anos que hoje escorrem por todos os dias de Ano-Novo que deixaste de renascer.


► *FERNANDA VAN DER LAAN É PSICÓLOGA / @fernandissima

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