Nisso o Brasil ainda está engatinhando e o governo federal, em particular, mal parece ter compreendido a tarefa que lhe toca. É assustador.”
O embate de declarações entre o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter) e o ministro do STF Alexandre de Moraes atenuou o impacto de uma história importante envolvendo o crime organizado.
Especificamente, os crimes envolvendo o PCC – a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, com raízes em São Paulo e ramificações Brasil afora.
Esse é o assunto abordado pelo jornalista Carlos Graieb:
“O bafafá provocado por Elon Musk nesta semana amorteceu o impacto de uma história importante: o Ministério Público de São Paulo parece ter desbaratado um esquema em que duas empresas de ônibus da capital paulista eram usadas para lavar dinheiro da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
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Segundo o MP, só em 2023 as duas companhias investigadas, a Traswollf e a UPBus, receberam mais de 800 milhões com o serviço de transporte público – a primeira abocanhou 748 milhões e a segunda, 80 milhões de reais.
Em meio a isso, teriam feito circular dinheiro de tráfico de drogas, assaltos e outras atividades do crime organizado.
Uma série de reportagens publicada pelo Estadão em fevereiro reuniu sinais de que as maiores facções criminosas do país, como PCC e Comando Vermelho (CV), estão se aproximando do poder local para abocanhar contratos milionários.
O caso de São Paulo mostra exatamente isso. Como disse o promotor Lincoln Gakiya, o PCC ‘ganhou contornos de máfia’, ou seja, aprendeu a utilizar negócios lícitos como fachada para a bandidagem. Pior ainda, esses negócios são contratos públicos, obtidos por meio de licitação.
Não se deve fazer ilações sobre a participação de políticos no esquema, porque os investigadores não apresentaram nenhum indício nesse sentido. Ao mesmo tempo, o MP chamou para deporem como testemunhas o presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), e o petista Jilmar Tatto, ex-Secretario de Transportes do município. Leite é amigo do dono da Transwollf, Luis Carlos Efigênio Pacheco. Tatto estava no governo quando a empresa obteve o seu primeiro contrato em São Paulo.
Diante das notícias da semana, é inevitável lembrar das descobertas sobre a execução de Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Não pela dinâmica do crime, muito diferente nos dois casos, mas pelo simples fato de que a infiltração do Estado pelo crime organizado parece inexorável, para onde quer que se olhe. Sem ser uma novidade, o fenômeno dá mostras de estar se acelerando e ‘refinando’ os seus métodos.
O desvendamento do assassinato de Marielle e a descoberta de empresas de ônibus que funcionam como lavanderias de dinheiro público são vitórias significativas, mas pontuais. Outro tipo de ação é necessária para atingir os interesses do crime organizado no Brasil de maneira estrutural – ações com uso massivo de inteligência, coordenação das forças de segurança nos vários níveis da federação e até mesmo cooperação com outros países.
Nisso o Brasil ainda está engatinhando e o governo federal, em particular, mal parece ter compreendido a tarefa que lhe toca. É assustador.”
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