De Nuno Vasconcellos:
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"... Dos quase R$ 260 bilhões investidos em rodovias, portos, ferrovias, obras de saneamento e outros serviços de infraestrutura espalhados por todo país neste ano, em números arredondados, R$ 197 bilhões são recursos privados e apenas R$ 63, dinheiro público. Em 2019 — antes que a pandemia da Covid-19 paralisasse a economia — o total de investimentos em infraestrutura no país foi de apenas R$ 164 bilhões.
Em qualquer lugar do mundo, uma situação como estaria sendo comemorada e servindo de base para a projeção de dias melhores. No Brasil , no entanto, sempre fica no ar a sensação de que as providências que realmente deveriam ser tomadas para estimular situações como essa — ou seja, o crescimento da economia com apoio do governo, mas com recursos privados — sempre são deixadas para depois.
A impressão que se tem é a de que, por falta da definição de uma agenda de prioridades clara e aceita pela sociedade, o país nunca parece olhar para aquilo que está dando certo. E, embora não seja o único culpado por essa situação, o governo tem sua parcela de responsabilidade ao gastar energia com discussões secundárias e deixar em segundo plano os pontos que realmente interessam.
O 'mercado', que sempre aproveita para lucrar diante da inércia do governo em relação aos próprios gastos, não teria força para produzir tantos sobressaltos se Brasília, ao invés de tentar agradar o eleitorado com a promessa de isenção do imposto de renda para salários de até R$ 5 mil, estivesse preocupada com as questões estruturantes. Para o assalariado, de nada adianta receber um contracheque livre de impostos se o poder de compra do salário logo for corroído por uma inflação crescente.
Num cenário como esse, o governo faria mais pelos assalariados se, ao invés de se preocupar em distribuir benesses que podem desaparecer com a mesma rapidez com que vieram, se preocupasse com questões estruturantes e capazes de dar ao setor produtivo condições para que ele trabalhe, gere renda, ofereça empregos e crie oportunidades para que a sociedade prospere.
Um bom exemplo do que se pretende dizer com isso está no agronegócio . Queiram não queiram seus críticos, o setor foi responsável pelos resultados mais positivos obtidos pela economia brasileira nos últimos anos. Mas, a impressão que se tem é a de que, nos momentos em que necessita de apoio do governo, o campo é tratado como se fosse capaz de se livrar de suas dificuldades por si mesmo.
Isso tem ficado claro na disputa que esquentou nos últimos dias em torno da recusa da França em abrir seu mercado para os alimentos, especialmente a carne, produzidos no Brasil. Por trás das discussões que ganharam espaço na imprensa, e que vão muito além das ofensas dirigidas por parlamentares franceses à qualidade do produto brasileiro, o que está em questão é o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia — que pode tornar o agronegócio brasileiro mais forte do que ele já é.
Se um dia vier a ser assinado, o pacto abrirá as portas do trilionário mercado do velho continente para a carne e os grãos produzidos na América do Sul , especialmente, na Argentina e no Brasil. Qualquer país produtor que estivesse na posição do Brasil estaria fazendo tudo o que fizesse a seu alcance para solucionar as pendências e começar a colher os benefícios que podem ser gerados por esse acordo. Só que, pela forma com lida com a questão, o Brasil parece que não dá ao documento a importância que ele tem.
Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva , não há com que se preocupar. Pelo que ele declarou durante um evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria na semana passada, em Brasília, a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Lyern já 'sinalizou' que assinará o documento e, diante disso, não há nada que o parlamento francês possa fazer para impedir o negócio.
Será?
...
A França, como uma das principais potências econômicas da Europa, não é nenhuma novata em práticas protecionistas. Durante décadas, seus agricultores receberam subsídios massivos da União Europeia para proteger o setor agrícola local contra a concorrência externa. No caso da carne brasileira, os argumentos de proteção ambiental vêm ganhando força, mas será que são genuínos?
É indiscutível que o desmatamento na Amazônia é um problema grave. No entanto, associar toda a cadeia de produção de carne brasileira ao desmatamento é uma simplificação absurda e, muitas vezes, deliberada. O Brasil, embora ainda enfrente desafios ambientais significativos, também possui uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo. Além disso, o governo e o setor privado vêm investindo em tecnologias para rastrear a origem da carne e assegurar práticas mais sustentáveis.
Curiosamente, o discurso francês ignora que o impacto ambiental da pecuária local não é tão pequeno quanto alegam. A produção de carne na França consome vastos recursos naturais e contribui significativamente para as emissões de gases de efeito estufa. Além disso, se o problema é a Amazônia , a França também tem o que responder. Última potência europeia no controle de um vasto território no continente americano, a Guiana, a França também enfrenta problemas com o garimpo ilegal, o desmatamento criminoso e as queimadas.
Mas quando essa realidade é mencionada, o discurso muda: o que é justificável na França torna-se inaceitável quando se trata do Brasil."
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