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De modo geral, os resultados das eleições municipais deste ano mostram que a sociedade precisa ser levada a sério pelos políticos.
Normalmente tratado como massa de manobra, o eleitor demonstra que sabe diferenciar o político que justifica a confiança que nele foi depositada anteriormente.
É o entendimento do empresário Nuno Vasconcellos:
“… No Brasil, de algum tempo para cá, tornou-se comum analisar qualquer eleição, no âmbito federal, estadual ou municipal, como consequência do posicionamento do eleitor diante das recomendações que chegam ‘do alto’. Por essa visão, o eleitor não vota naquele que escolhe por sua conta, riscos e valores. Ele vota, sim, naquele em quem algum ‘líder’ o manda votar. Por esse ponto de vista, a disputa entre Lula e Bolsonaro seria determinante em qualquer município do país. Do mais populoso de todos, São Paulo, onde 6.773.587 pessoas votaram, ao menor do país, Serra da Saudade, em Minas Gerais. Ali, Neusa Ribeiro, do PP, foi eleita com 1.084 dos 1.196 votos depositados nas urnas.
Ainda que pareça repetitivo, é bom insistir nesse ponto. A maioria dos analistas do processo eleitoral tem dado a entender que tudo que acontece nas eleições brasileiras depende apenas dos movimentos feitos na cúpula e da capacidade dos políticos de cativar o eleitor. Ninguém leva em conta a possibilidade de o eleitor ser soberano na escolha de seu candidato nem presta atenção aos sinais crescentes de exaustão que ele vem dando diante do excesso de polarização visto nos últimos pleitos. Se algum desses analistas que insistem em ver a política de cima para baixo se desse ao trabalho de entender a cabeça do eleitor, sobretudo do jovem, notaria que ele está farto das discussões inflamadas em torno da opção pela direita ou pela esquerda que, nos últimos anos, já transformou muitos velhos camaradas em inimigos irreconciliáveis.
O eleitor, para esses analistas, não tem vontade própria e continua condenado a seguir a voz de comando dos candidatos que disputaram as eleições para a presidência da República em 2022. Dessa maneira, o fato de Jair Bolsonaro ter se saído vitorioso no município do Rio naquele pleito, com 52,6% dos votos válidos, seria a garantia de que o candidato apoiado por ele para a prefeitura, Alexandre Ramagem, chegaria pelo menos no segundo turno da disputa.
Antes do início da campanha eleitoral, houve até quem visse nesse apoio um sinal do favoritismo de Ramagem na disputa. Afinal, se há apenas dois anos o então presidente da República foi suficiente para levar um desconhecido, como era seu ex-ministro e então candidato, Tarcísio de Freitas, ao governo de São Paulo, por que não garantiria a presença de seu escolhido na prefeitura do Rio?
Nessa comparação, a missão de eleger Ramagem — delegado de carreira da Polícia Federal, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e deputado federal em primeiro mandato — num município carente de segurança como o Rio, chegou a ser vista no início da corrida como uma missão mais fácil do que a de eleger o então neófito Tarcísio para o governo de São Paulo. Como se viu, não era.
Aqui é bom parar para refletir. O apoio vindo de um político com a visibilidade e as características de Bolsonaro pode, sim, ser um fator de desequilíbrio em algumas disputas acirradas. No caso específico da disputa pelo governo de São Paulo nas eleições passadas, os desgastes acumulados por mais de 20 anos de presença do PSDB no governo, as picuinhas que geraram desgastes entre os políticos que deveriam estar do mesmo lado e a incapacidade da esquerda de se comunicar com o eleitorado de centro forneceram a Bolsonaro e Tarcísio as condições ideais de temperatura e pressão para uma vitória expressiva.
Mas, no caso do município do Rio nas eleições de agora, não. Com o município coeso em torno da administração de Paes, o apoio de Bolsonaro, por si só, jamais seria suficiente para levar Ramagem ao segundo turno das eleições para a prefeitura. E a explicação para isso está numa característica que o eleitor deixa mais clara a cada eleição. Essa característica é a seguinte: o eleitor nunca muda por mudar.
Mesmo aquele eleitor que se identifica com as bandeiras consideradas mais modernas e progressistas no que diz respeito aos direitos das pessoas, tem, no fundo, no fundo, um conservador a orientar suas escolhas. Ele só se dá ao trabalho de colocar um candidato que não conhece em um cargo vital, como é o de prefeito de uma grande cidade, quando o político escolhido na eleição anterior não se mostrou à altura da missão que recebeu. Isso mesmo. Em política, a capacidade comprovada de entregar ao eleitor aquilo que foi prometido conta mais do que as promessas de mudar ‘tudo que aí está’…
O recado que fica disso tudo é muito claro. Os políticos que não surpreendem nem contrariam o eleitor depois de receberem o mandato nas urnas, como foi o caso de Paes na prefeitura do Rio, são recompensados com o voto e se consolidam como alternativa para eleições futuras.
Por mais óbvia que pareça, essa lição parece não ser considerada por aqueles que se elegem com um discurso e esquecem tudo o que prometeram antes mesmo de tomar posse. Na outra ponta, é preciso considerar que, ao fazer uma legislação frouxa o suficiente para continuar permitindo que eles não tenham finalidade com a legenda que os elegeu, os políticos deixam frestas por onde entram aqueles que podem destruí-los.
E, no meio de tudo isso, o eleitor continuará fazendo suas escolhas de acordo com suas conveniências. Simples assim.”
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