É o que diz a jornalista Míriam Leitão:
“O presidente Lula deu mais uma declaração ambígua sobre economia. E isso num dia de aversão a risco com o dólar subindo. Subia por razões externas, mas a fala do Lula sobre a dúvida entre cortar gastos ou aumentar a arrecadação caiu mal. Primeiro porque era num dia ruim, segundo porque essa é a terceira declaração fora do tom em poucos dias. Isso alimenta a especulação. O problema é que o dólar bate na inflação, e quando ela sobe, diminuem as chances de os juros serem reduzidos. Lula acaba favorecendo o oposto do que quer. Este ano, o dólar já subiu quase 14% diante do reall.
Ambiguidade e economia nunca combinaram. Os últimos tempos estão sendo assim, criando uma falsa impressão de crise iminente. O governo se quiser um horizonte de equilíbrio fiscal terá que aumentar a arrecadação por eficiência, por combate à elisão fiscal, por medidas que busquem a justiça tributária, como aconteceu na taxação dos fundos exclusivos. Mas também terá que olhar os gastos, os grandes itens de pressão nas despesas e as regras que não são sustentáveis no futuro. Um exemplo: se o governo quer elevar o salário mínimo acima da inflação todos os anos em que o PIB aumentar, não pode manter o salário mínimo como indexador de aposentadorias e benefícios temporários, porque aí estaria aumentando ainda mais essas despesas. Os beneficiários do auxílio-desemprego ou auxílio-doença estarão tendo reajuste real, mesmo desempregado ou afastado temporariamente do mercado de trabalho.
Recentemente, Lula disse, após uma reunião com o ministro Fernando Haddad e a ministra Simone Tebet, que tudo estaria sendo analisado. Claro que o presidente é que tomará as decisões, mas ele não pode em seguida começar a sugerir que certos temas já recusou. Ontem, enquanto criou o falso dilema entre cortar gastos e aumentar a arrecadação — o governo precisará dos dois para equilibrar as contas — ele fez mais uma declaração de confiança ao ministro Haddad. Então, precisa esperar o que a área econômica vai propor.
O Conselho Monetário Nacional confirmou a meta contínua, mudança introduzida no sistema de metas, que vai tirá-la da anualidade. É um aperfeiçoamento do sistema, e que está sendo feita com tempo suficiente de transição para ser entendida. A meta contínua permite que a economia absorva os choques que a atinjam. Agora a meta, que será sempre 3%, será considerada descumprida se a inflação ficar seis meses acima do teto do espaço de flutuação. Trinta anos depois do Plano Real e 25 anos depois de introduzido o sistema de metas de inflação, essas mudanças só confirmam a estabilização que nos trouxe até aqui.
A inflação medida pelo IPCA-15 de junho foi de 0,39%. O acumulado em doze meses subiu de 3,70% para 4,06%. Por esse indicador, está um ponto percentual acima do centro da meta e meio ponto para o seu estouro. Portanto, esse não é o momento de espalhar dúvidas das quais a especulação se alimenta.
Em entrevista ao Uol, Lula disse que “o problema não é que tem que cortar. Problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação. Temos de fazee essa discussão”. Na entrevista que concedeu à CBN, ele foi perguntado que temas sobre cortes de gastos estariam descartados. Lula respondeu ‘nada é descartável. Eu sou um político muito pragmático. Na hora que as pessoas me mostrarem as provas contundentes de que as coisas estão equivocadas ou estão erradas, a gente vai mudar’. Ou bem, nenhum corte de gasto é descartável, ou bem é preciso discutir se efetivamente precisa cortar.
Na reunião com Haddad e Simone Tebet, no dia 19, Lula ficou impressionado com os gastos tributários, segundo relato da ministra. ‘O presidente ficou extremamente impressionado, mal impressionado, com o aumento dos subsídios que estão batendo em quase 6% do PIB. Nós estamos falando da renúncia tributária, dos benefícios financeiros e creditícios’. Então não há dúvida de que sim há o que e de onde cortar gastos.
Na terça, o país teve a boa notícia do aumento da arrecadação em maio, ontem veio a notícia do déficit primário de R$ 60,9 bilhões no mesmo mês, o segundo pior da história.
Na gangorra de números, e de declarações do presidente da República, as expectativas vão piorando, e isso afeta a economia real.”
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