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Opinião: "Deportação, seletividade e os EUA de Trump e Biden"

Em 26 de Janeiro de 2025 às 10:30

Ricard Kertzman:

"A ilegalidade não deveria, jamais, ser relativizada nem muito menos revogada. A deportação de imigrantes ilegais em curso nos EUA – e não é de hoje, nem tampouco exclusividade dos americanos – voltou às manchetes no mundo inteiro, não pelo fato em si, mas pela maneira com que está sendo conduzida e, principalmente, por se tratar de um novo governo Donald Trump.  

Qualquer nação do mundo tem o direito de prender e deportar imigrantes ilegais. A condescendência de certos países e governos, portanto, seja por questões humanitárias ou mesmo incapacidade administrativa, não deve ser tratada como regra, mas exceção, nem muito menos produzir 'direitos adquiridos' – salvo previsão legal -, sobretudo a terceiros (neste caso, outros países).

O ruído atual se dá pelo modo desrespeitoso com que o governo, notadamente o presidente, vem tratando o assunto. Trump ataca ferozmente os imigrantes, rotulando-os criminosos, estupradores, doentes, assassinos e toda sorte de impropérios, muitos, inclusive, mentirosos. Biden, por exemplo, nos últimos meses, vinha deportando mais que o fim da última gestão Trump, e nada se ouvia.

Outro problema com a 'rigidez legal' trumpista é a seletividade. Donald Trump afirma agir com a lei, mas acaba de perdoar mais de mil criminosos, condenados pelo atentado violento ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, que culminou com ferimento e morte de dezenas de policiais e agentes de segurança, além de destruição de patrimônio público e, claro, ataque à democracia.

O presidente Joe Biden, diga-se, também flertou com a mesma seletividade quando erdou seu próprio filho, condenado por questões tributárias e armas de fogo. Mas voltando aos imigrantes ilegais, outra discussão jurídica ganha corpo nos EUA, igualmente por conta da seletividade, ou como gostam os magistrados quando querem se justificar, 'interpretação da Constituição'.

Trump revogou, por ordem executiva, uma emenda à Carta que concede cidadania a qualquer recém-nascido em solo americano. Muitos imigrantes ilegais – e legais também – entram nos Estados Unidos com a finalidade de ter filhos por lá, justamente para que sejam cidadãos americanos. Por extensão, como pais, pedem ao governo permissão para morar (e cuidar do filho) nos EUA.

A despeito de ser um direito constitucional, muita gente defende a tese de que há um crime anterior – a imigração ilegal -, e por isso a emenda deveria ser nula nestes casos. Mas não é o que entende muita gente também. Inclusive, a partir da ordem de Trump, alguns estados têm recorrido à Justiça, para que o decreto se torne sem efeito. Uma decisão neste sentido já foi proferida por um juiz federal .

O legislador originário e sucessores são os únicos, em uma democracia, com legitimidade – pois eleitos – para propor e aprovar leis que, sem posterior declaração de inconstitucionalidade, passam efetivamente a vigorar (inclusive por décadas) e deveriam ser obedecidas irrestritamente por todos, e observadas pelo judiciário nos casos de descumprimento, sem malabarismos e relativizações.

Porém, à medida em que governantes, juízes ou ministros de cortes superiores passam a adotar seus próprios enendimento, seja por questões políticas ou mesmo interesses pessoais, o espírito da lei vai sendo desconfigurado até que não exista mais a estrita observância dos ditames constitucionais. Neste momento, inaugura-se uma espécie de 'democracia seletiva'.

Neste tipo de regime, como sabe muito bem Donald Trump – e todos os governantes autoritários, populistas e corruptos do planeta -, impera a lei do mais forte, do mais poderoso e dos amigos da corte, que, neste caso, não tem nada a ver com realeza, mas sobretudo com togas compridas, tingidas de preto. Nas mais desenvolvidas democracias do mundo, fatos assim são muito raros.

Os Estados Unidos da América, infelizmente, vêm sendo uma triste exceção."

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