Pior do que a nota divulgada pelo Partido dos Trabalhadores endossando o resultado oficial da eleição na Venezuela somente a postura do presidente Lula dando razão, subliminarmente, ao texto petista.
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Diante da gravidade da convulsão social que predomina no país vizinho por conta da anunciada reeleição de Nicolás Maduro – e que até esta terça-feira (30) registrara 11 mortes nos tumultos – o Brasil está se isolando cada vez mais no aval aos “cumpanheros” de ideologia, pois praticamente o mundo inteiro admite fraude no resultado.
A questão é analisada pelo jornalista Josias de Souza:
“Em sua primeira manifestação sobre a eleição presidencial na Venezuela, Lula disse que ‘não tem nada de grave, nada de assustador’ acontecendo no país vizinho. Disse isso num dia em que a autoproclamada reeleição de Nicolás Maduro, contestada pelo mundo democrático, eletrificava o asfalto venezuelano. Reprimida, a revolta popular já resultou em mais de uma dezena de cadáveres. Algo como 750 pessoas foram presas.
Falando à TV Centro América, de Mato Grosso, Lula avaliou que ‘normal que tenha uma briga’ entre Maduro e a oposição, representada no pleito de domingo por Edmundo González. Para ele, a encrenca é de fácil resolução.
Maduro disse a Celso Amorim, o enviado do Planalto a Caracas, que divulgará as atas das seções eleitorais, só não sabe quando. Remanescendo dúvidas sobre o resultado, ‘a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça.’ O resultado do julgamento ‘a gente tem que acatar’, disse Lula. Para ele, é ‘um processo normal, tranquilo.’
Todo venezuelano sonha em viver nessa Venezuela democrática esboçada nas declarações de Lula, seja ela onde for. O diabo é que um fato não deixa de existir apenas porque o presidente brasileiro o ignora. No país de Maduro, a autoridade eleitoral é exercida por um compadre e o Judiciário está submetido ao palácio presidencial.
No Brasil, a Justiça Eleitoral puniu Bolsonaro com a inelegibilidade por ter sonhado com uma ditadura absoluta. Beneficiário direito da frente ampla que se formou em defesa da institucionalidade, Lula talvez devesse refletir sobre a inconveniência de tratar a Venezuela como uma democracia relativa.
Levando a reflexão a sério, Lula descobria o valor do silêncio. Evitaria, por exemplo, o endosso a uma nota vexatória expedida pela direção nacional do Partido dos Trabalhadores. Nela, a cúpula petista dispensou a divulgação das atas eleitorais venezuelanas. Chamou Maduro de ‘presidente reeleito’. Deu de ombros para a convulsão do asfalto. Referiu-se à perversão eleitoral como ‘uma jornada pacífica, democrática e soberana’.
Instado a comentar, Lula não se opôs ao teor da nota do seu partido. Ao contrário, endossou o texto. Mais: acusou a imprensa brasileira de exagerar, tratando a crise venezuelana ‘como se fosse a Terceira Guerra Mundial’. Noutros tempos, a condescendência de Lula e do PT com ditadores companheiros era apenas vexaminosa. Depois do 8 de janeiro, tornou-se ultrajante.
Com suas declarações, Lula sinalizou que o reconhecimento da pretensa reeleição de Maduro pelo governo brasileiro é uma questão de tempo. Revelou-se capaz de fazer qualquer coisa pelo ditador venezuelano, inclusive papel de bobo.
Desde que tomou posse, Lula deu a volta ao mundo para proclamar que o Brasil voltou. Palpitou sobre tudo. Quando tratou das guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza, foi ignorado. Nesta terça-feira, recebeu telefonema de Joe Biden. O inquilino da Casa Branca imaginou que, sobre a Venezuela, Lula teria o que que dizer.
Se repetiu no telefonema metade do que disse sob refletores, Lula pode ter decepcionado o interlocutor. Pessoas que não levam em conta a realidade correm o risco de também não ser levadas em conta pela realidade.”
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