Texto de Madeleine Lacsko:
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“Fica difícil saber se é pior a tal resolução do banheiro ‘unissex’ ou a reação lacrativa do governo a quem questionou. As primeiras vítimas dessa história são os fatos. Não é bom quando o governo instrui a fazer propaganda dizendo mentira. Pior ainda quando reage à la Trump, dizendo que toda crítica é fake news.
A última resolução de um conselho do Ministério dos Direitos Humanos atualiza um texto de 2015. O ponto mais debatido, a entrada de pessoas trans em banheiro feminino, já era válido há 8 anos, inclusive nas escolas.
O que mudou nesse artigo? Antes o uso do banheiro era permitido de acordo com a identidade de gênero. Agora, foi ampliado para englobar um termo sem definição legal, a ‘expressão de gênero’. Você achará a definição disso em debates ideológicos, não um conceito técnico e muito menos um legal.
Na prática, tanto os conservadores quanto as feministas radicais consideram que isso é um banheiro unissex. Como a definição de quem entra no banheiro deixa de ser por sexo e passa a ser por gênero, tanto o masculino quanto o feminino seriam para ambos os sexos.
A reação do Ministério dos Direitos Humanos é um desastre no diálogo e um sucesso na lacração de internet. Saiu gritando que é fake news e que vai processar todo mundo. Nem sequer houve a preocupação de explicar que a norma já era válida há 8 anos e não houve uma hecatombe.
Banheiro unissex, na definição do ministério e de muita gente, é aquele que não se divide nem por sexo nem por gênero. Seria um banheiro só para todos. A recomendação nesse sentido é apenas para banheiros individuais extras, não os coletivos.
Falta a explicação sobre a razão de conteúdo puramente ideológico, não aceito cientificamente e sem definição legal em resoluções do governo.
O artigo sexto, o do banheiro individual, também prevê uma loucura completa: ‘Fixação de cartazes informando se tratar de espaços seguros e inclusivos para todas as pessoas’. Desde quando banheiro público é seguro? Já é demais quando os governos querem proibir o pessoal de falar, mas obrigar a mentir realmente é outro patamar.
Fica bastante difícil compreender qual resultado o Ministério dos Direitos Humanos pretende com o cartaz dizendo que banheiro público é um espaço seguro. Não vai garantir segurança nem fazer ninguém se sentir seguro. Aliás, pode enganar quem poderia tomar providências de se proteger. Parece ser útil apenas para dizer que o governo agora decide o que é ou não verdade.
Há um outro ponto de propaganda ideológica na resolução. ‘Realização de campanhas de conscientização sobre o direito à autodeterminação de gênero das pessoas trans e suas garantias.’ Não há lei nesse sentido, apenas uma decisão do STF.
A questão da autodeterminação é uma das mais polêmicas em reconhecimento de direitos de pessoas trans. Adotada no Reino Unido em 2019, fez com que a tolerância a trans desabasse no país e a maioria da população seja contrária até mesmo ao uso de nome social. É o que mostra a pesquisa British Social Attitudes 2023.
Autodeterminação é quando o Estado reconhece alguém como trans simplesmente pela declaração da pessoa. Se disse que é trans, portanto é.
Na lógica do ‘criminoso no banheiro feminino’, o método da autodeclaração torna o ambiente perigoso também para as mulheres trans.
No Reino Unido, as distorções passaram a ser monumentais. Disparou, por exemplo, o número de condenados por crimes sexuais que se declararam trans depois de presos pela polícia. Não desempenham papel social diferente do sexo de nascimento, não têm diagnóstico de disforia de gênero e nem mesmo tentam qualquer mudança na aparência. Podem, no entanto, trocar de nome, o que apaga a ficha criminal pregressa.
Ninguém nem sabe se as pessoas trans têm a demanda da autodeclaração, de reconhecimento formal baseado apenas em dizer que é. É um debate complexo, em que as consequências precisam ser avaliadas.
Tudo aqui foi substituído pelo apelo emocional e moralismo de personagem de Nelson Rodrigues. Qualquer questionamento à ideologia da panelinha é transfobia ou fake news. A gritaria é soberana, e a razão se perdeu. Elites jamais perdem com isso: são as minorias que pagam o pato.”
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