Oncologistas recomendam teste genético em mulheres diagnosticadas com câncer de mama até 65 anos

Publicado em 16/01/2024, às 23h35
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Por Folhapress

Uma nova diretriz internacional para o câncer de mama recomenda o teste genético em mulheres com idade igual a 65 anos ou menos que tiveram diagnóstico recente da doença.

A recomendação inclui a busca pelos genes que podem apresentar mutações germinativas -passadas de forma hereditária. Entre eles, estão mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, que podem aumentar em 87% o risco de desenvolver câncer de mama.

No caso de mulheres mais velhas, que tiveram histórico recente de tumor nas mamas, a indicação também é válida, desde que tenham estágio avançado, câncer de mama do tipo triplo-negativo, histórico familiar ou variante patogênica.

A indicação também é retroativa, isto é, uma mulher de 72 anos que teve câncer de mama aos 58, por exemplo, pode ser testada para avaliar também o risco de hereditariedade.

O câncer de mama é o segundo principal tipo de câncer em mulheres, atrás somente do câncer de pele do tipo não-melanoma. Cerca de 85% dos casos diagnosticados no Brasil são causados por fatores ambientais -em torno de 10% a 15% são hereditários.

A nova recomendação foi publicada no último dia 4 deste mês na revista especializada Journal of Clinical Oncology. Organizado por Mark Robson, do Centro Memorial Sloan Kettle (NY), o documento conta com especialistas da ASCO (Sociedade Americana de Oncologia Clínica) de diversos países, incluindo o Brasil. A médica Maria Isabel Achatz, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, é a única representante da América Latina.

"Como a maioria dos consultores é de americanos, europeus e também asiáticos, ter uma representante da América Latina e, mais especificamente, do Brasil, é fundamental, porque isso impacta diretamente nos dados sobre prevalência de algumas mutações aqui", disse.

Em caso de carregar a mutação, a paciente pode realizar um painel genético para avaliar a presença de outros genes ligados à possibilidade de ter câncer hereditário.

Segundo a médica, a definição do painel genético pode ser um fator importante para mudar tanto a conduta clínica -como, por exemplo, a realização de cirurgia e outras terapias- como avaliar a possibilidade de uma recidiva do câncer, no caso de um tumor maligno.

"E não é porque a gente está falando de um gene que pode aumentar o risco de câncer de mama que ele não tem impacto em homens. O mesmo gene pode levar a um aumento de risco relevante para o câncer de próstata agressivo em homens jovens", explica Achatz.

Embora a proporção de mulheres carregando mutações nos genes BRCA1 e 2 no Brasil seja menor do que em outros países, segundo estudos de prevalência, aqui há uma proporção aumentada de outros genes associados ao câncer, como o tp53. Por essa razão, a realização de busca genética na população com histórico familiar ou diagnóstico recente na família pode alterar significativamente o prognóstico.

"Isso implica, também, na possibilidade de o tumor ser bilateral [nas duas mamas], e aí muda a conduta cirúrgica. Se ela é portadora de um gene mutado, ela pode ter acesso, via plano de saúde, a um tipo de quimioterapia, que traz uma resposta muito melhor, somente com a comprovação do exame genético. Então porque essa mulher tem a mutação, o risco de ter um novo câncer de mama chega a 50%", disse.

Em 2015, o governo do estado do Rio de Janeiro aprovou a lei n° 7.049/2015, batizada popularmente de "Lei Angelina Jolie", para ofertar o exame dos genes BRCA1 e 2 via convênio com o SUS (Sistema Único de Saúde) em mulheres com histórico familiar de diagnóstico de câncer de mama ou de ovário. Outros estados criaram legislações específicas, como por exemplo Minas Gerais, Amazonas e Distrito Federal.

Já em 2019, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) incluiu na cobertura obrigatória no rol de procedimentos de planos de saúde a testagem genética em pacientes com câncer de mama ou ovário hereditário.

A abrangência dos procedimentos, porém, não significou amplitude do acesso, uma vez que muitas mulheres ainda entram com ações na justiça para conseguir realizar os testes via planos de saúde, e aquelas que dependem de serviços públicos seguem sem a oferta.

"Temos uma deficiência muito grande na saúde pública, que ainda não oferta esses exames, que podem salvar vidas e gerar economia para os cofres públicos", disse Achatz. De acordo com ela, iniciativas locais podem ajudar, mas não são suficientes, pois falta ainda um sistema nacional -que poderia, inclusive, se beneficiar de uma redução de custos.

Um exame genético em laboratórios privados custa entre R$1.200 e R$2.000, mas com a realização em laboratórios conveniados e Lacens (Laboratórios Centrais, ligados ao governo federal), o valor por exame poderia ser cerca de 10% disso. "Realmente seria uma boa estratégia para ser implementada, pois o teste pode salvar vidas", afirmou a médica.

Procurado, o Ministério da Saúde disse que a assistência à saúde de pessoas com câncer é realizada no âmbito dos Cacons (Centros de Alta Complexidade em Oncologia) e Unacons (Unidades de Alta Complexidade em Oncologia), e eles são os locais habilitados para fazer o estadiamento de câncer e definir o melhor tipo de tratamento.

"Caso haja algum paciente com características indicativas de predisposição familiar ou hereditária, são esses os hospitais responsáveis por providenciar os testes necessários, ainda que seja necessário estabelecer parcerias com hospitais universitários, rede filantrópica ou outros parceiros", disse a nota.

"O registro de todos os tipos de câncer, hereditários ou não, são acompanhados por meio da avaliação dos RCBP (Registro de câncer de Base Populacional) e RHC (Registro Hospitalar de Câncer), (...) e as informações produzidas subsidiam estudos epidemiológicos para identificação de populações de risco."

Disse, ainda, que financiou dois estudos envolvidos diretamente com detecção dos genes BRCA1 e BRCA2 para mulheres diagnosticadas ou com histórico familiar de câncer de mama, sendo um desenvolvido pelo Idor (Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino) no Ceará, com investimento de R$ 202,2 mil, e um estudo da prevalência de câncer e associação com síndromes de predisposição hereditária em quilombos cearenses, conduzido pelo Grupo de Educação e Estudos Oncológicos, cujo investimento foi de R$ 2,22 milhões.



NOVA RECOMENDAÇÃO PARA TESTE GENÉTICO - Pacientes recém-diagnosticadas com câncer de mama em estágio 1 a 3 ou estágio 4 (metastático) que tenham 65 anos ou menos no momento do diagnóstico devem receber testes BRCA1/2;

Pacientes recém-diagnosticadas com câncer de mama em estágio 1 a 2 ou estágio 4 (metastático) que tenham mais de 65 anos devem ser testadas se:

  • Forem candidatas a terapias com inibidores de poli (ADP-ribose) polimerase-1 (PARP-1) para doença em estágio inicial ou metastática;
  • Tiverem câncer de mama triplo-negativo;
  • Sua história pessoal ou familiar sugira a possibilidade de uma variante patogênica;
  • Tenham sido designadas como sexo masculino ao nascer;
  • Sejam de ascendência judaica ashkenazi ou façam parte de uma população com prevalência aumentada de mutações fundadoras.

Pacientes submetidos a testes BRCA1/2 também devem receber testes para outros genes predisponentes ao câncer, conforme sugerido por sua história pessoal ou familiar -a consulta com um profissional deverá auxiliar nessa tomada de decisão.

Pacientes com câncer de mama recorrente (local ou metastático) que sejam candidatos à terapia com inibidores de PARP devem receber testes BRCA1/2, independente do histórico familiar.

Pacientes com segundo câncer de mama devem receber testes BRCA1/2.

Pacientes com história pessoal de câncer de mama diagnosticado antes dos 65 anos sem doença ativa podem ser testadas se o resultado informar a gestão de risco pessoal ou avaliação de risco familiar.

Pacientes com história pessoal de câncer de mama diagnosticado após os 65 anos, sem doença ativa, podem receber testes BRCA1/2 se o resultado informar a gestão de risco pessoal ou avaliação de risco familiar, caso apresentem um dos critérios:

  • Sua história pessoal ou familiar sugere a possibilidade de uma variante patogênica;
  • Foram designados como sexo masculino ao nascer;
  • Têm câncer de mama triplo-negativo;
  • São de ascendência judaica ashkenazi ou fazem parte de uma população com uma prevalência aumentada de mutações fundadoras.


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