O que você precisa saber sobre "Ainda Estou Aqui" e a trajetória rumo ao Oscar

Publicado em 23/01/2025, às 19h00
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Por Davi Galantier Krasilchik/Folhapress

"Ainda Estou Aqui", filme dirigido por Walter Salles, recebeu três indicações ao Oscar nesta quinta-feira (23), nomeado nas categorias de melhor filme internacional, melhor atriz, pelo papel de Fernanda Torres, e melhor filme, se consagrando como o primeiro longa brasileiro a ingressar a lista principal.

Com o extenso percurso em festivais e premiações, desde a estreia do longa, ano passado, no Festival de Veneza, ao lançamento nos cinemas do Brasil no último mês de novembro, uma série de questões surgiram nas redes sociais. A alegria que tomou conta dos brasileiros com o anúncio da Academia fez muitos buscarem respostas sobre a origem do filme, seus temas e sua disponibilidade em serviços de streaming.

Confira as principais respostas sobre "Ainda Estou Aqui", o percurso do filme na temporada de premiações e o futuro do acesso à produção.

SOBRE O QUE É O FILME "AINDA ESTOU AQUI"?

Ambientado, o filme acompanha a história real de Eunice Paiva, mãe de cinco filhos que viu seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva, ser levado pela ditadura militar e nunca retornar.

Após uma série de sessões de tortura às quais também foi submetida, a protagonista vivida por Fernanda Torres voltou à sua vida, que dedicou aos filhos e ao estudo do direito.

Eunice passou o resto dos seus dias lutando pelo reconhecimento de óbito do marido, que viria a conseguir em 1996, e dedicada à defesa dos direitos humanos, principal área de atuação durante a sua trajetória como advogada.

QUEM ESCREVEU O LIVRO QUE INSPIROU "AINDA ESTOU AQUI"?

Filho de Eunice Paiva, o autor Marcelo Rubens Paiva escreveu o livro homônimo que inspirou o filme dirigido por Walter Salles. Narrado em primeira pessoa, a obra original acompanha a perspectiva do próprio Marcelo enquanto investiga sua infância feliz, abalada pela ascensão da ditadura militar e os efeitos que o regime provocou sobre a sua família.

No filme, esse protagonismo centraliza a trajetória de sua mãe e segue a forma como teve de lidar com a abdução do marido, acusado de ter envolvimento com um grupo de rebeldes, pelos militares.

Marcelo trabalhou como colunista da Folha de S.Paulo e escreveu uma série de romances ancorados em uma diversidade de perspectivas políticas sobre o Brasil. Entre eles, e ao lado de "Ainda Estou Aqui", é muito lembrado por "Feliz Ano Velho", livro de 1982 que aborda a sua juventude e se inspira no acidente que sofreu em 1979, ao mergulhar em um lago, e o deixou tetraplégico.

O autor também atuou como dramaturgo e roteirista de cinema, tendo inclusive vencido o prêmio Cinema da Academia Brasileira de Letras em 2012 pelo roteiro de "Malu de Bicicleta", que adapta outro romance de sua autoria.

Com a publicação de "Ainda Estou Aqui", em 2015, ele venceu o seu terceiro Prêmio Jabuti.

QUEM SÃO OS INTEGRANTES DA FAMÍLIA PAIVA?

  • EUNICE PAIVA

Mãe de cinco filhos e esposa do ex-deputado Rubens Paiva, Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva foi uma importante advogada que dedicou a maior parte de sua carreira à defesa dos direitos humanos. Após perder o marido para a ditadura e ter sido ela mesma torturada pelos militares, ela decidiu conciliar a vida materna e a advocacia.

Eunice se formou em Direito em 1973 pela Universidade Mackenzie -onde já havia se formado em Letras, aos 18 anos- e se estabeleceu como figura de destaque na defesa dos direitos indígenas. Ela se manifestou especialmente contra a violência e a expropriação de terras pertencentes a diferentes povos e comunidades.

Ao lado de Manuela Carneiro da Cunha, ela escreveu o artigo "Defendam os Pataxós", marco na luta indígena brasileira.

Eunice também assumiu o protagonismo na luta pela abertura dos arquivos sobre as vítimas da ditadura militar, e não abriu da busca pela emissão do atestado de óbito de seu marido, que aconteceria em 1996. Ela compôs a equipe da primeira Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), criada há quase três décadas para verificar a verdadeira causa de morte de diversas vítimas da ditadura militar.

  • RUBENS PAIVA

Rubens Beyrodt Paiva, vivido no filme por Selton Mello, foi um deputado brasileiro e engenheiro civil torturado e assassinado pelos militares, durante a ditadura militar.

Embora já estivesse aposentado da carreira política na época em que foi morto, período retratado em "Ainda Estou Aqui", ele foi preso pela suspeita de ser um dos contatos de Carlos Alberto Muniz -membro do Movimento Revolucionário 8 de Outubro- e Carlos Lamarca, desertor do exército, integrante do MR-8 e o homem mais procurado pelos militares à época do regime ditatorial.

Rubens teve de se exilar logo após o Golpe de 1964 e voltaria ao Brasil apenas em 1965. Ao retornar, manteve contato através de cartas e buscou ajudar diversos exilados em situações semelhantes.

Em 1969, foram enviadas cartas endereçadas a ele pela exilada Helena Bocayuva Cunha, suspeita de envolvimento no sequestro do embaixador Charles Burke Elbrick. Os responsáveis pelo transporte da carta acabaram presos e as suspeitas sobre Rubens foram levantadas.

  • VERA PAIVA

Filha mais velha de Eunice e Rubens, Vera Silvia Facciolla Paiva é formada em Psicologia, área em que atua principalmente no estudo de desigualdades de gênero e na área das sexualidades. Seguindo os passos da mãe, ela também participou da CEMDP, especialmente no ano de 2022, quando a organização quase foi extinta pelo governo de Jair Bolsonaro.

Ela participou recentemente do programa "Altas Horas". No filme, ela é vivida pela atriz Valentina Herszage.

  • ELIANA PAIVA

Maria Eliana Paiva, 68 anos, também seguiu pela área da comunicação, em que se tornou professora, jornalista e editora de mídia. Assim como os pais, ela também foi levada, aos 15 anos, junto de Eunice, pelos militares, e foi mantida presa durante 24 horas.

No filme, ela é vivida por Luiza Kozovski durante o primeiro segmento do filme, ambientado no Rio de Janeiro. A versão mais velha da personagem, que ganha a tela no momento em que a família vive na cidade de São Paulo, é interpretada pela atriz Marjorie Estiano.

  • ANA LÚCIA PAIVA

Formada em Matemática, a irmã de 67 anos é a que seguiu o rumo mais distinto dentro da trajetória da família e é grande amiga do diretor Walter Salles.

  • MARIA BEATRIZ PAIVA

Formada em psicologia, Maria Beatriz é a filha caçula da família Paiva e trabalhou na embaixada brasileira de Berna, na Suíça. Ela é interpretada pela atriz Cora Ramalho durante a retratação da infância da personagem, enquanto Olivia Torres assume o papel em sua fase adulta.

QUANDO "AINDA ESTOU AQUI" SAI DOS CINEMAS E CHEGA AO GLOBOPLAY?

Com o sucesso de "Ainda Estou Aqui" na temporada de premiações e nas bilheterias nacionais - o filme alcançou 3,5 milhões de espectadores e se mantém como a maior bilheteria nacional do pós-pandemia - o filme tem adquirido novas sessões e ampliado o seu tempo em cartaz nas salas brasileiras.

O número de salas exibindo o filme chegou a dobrar após a vitória de Fernanda Torres no último Globo de Ouro e pode se esperar que as três indicações ao Oscar reforcem ainda mais a quantidade de exibições disponíveis.

Embora o filme seja uma produção original do Globoplay, ainda não existe uma previsão para a chegada do filme ao catálogo.

COMO "AINDA ESTOU AQUI" FOI FINANCIADO?

Por se tratar de um longa-metragem, o filme não pode receber recursos da Lei Rouanet e foi filmado a partir de recursos privados.

O longa de Walter Salles contou com recursos privados das produtoras VideoFilmes, criada pelo cineasta e seu irmão João Moreira Salles, RT Features, criada por Rodrigo Teixeira, e a produtora francesa MACT Productions.

A adaptação homônima do livro de Marcelo Rubens Paiva ainda contou com o apoio das coprodutoras Globoplay e Conspiração, e recebeu recursos privados levantados pelas empresas. A distribuição é feita pela Sony Pictures.

Em resposta à reportagem, a assessoria de imprensa do filme afirmou que não houve participação de financiamento público.

QUAL ERA O CARRO DE RUBENS PAIVA, RETRATADO EM "AINDA ESTOU AQUI"?

Rubens Paiva dirigia, na época em que foi assassinado, um Opel Kadett vermelho. Embora o modelo do filme fosse, originalmente, amarelo claro, ele foi pintado com a cor verídica do veículo real, conduzido pelo próprio Rubens em direção a sua morte.

Quando Eunice foi liberada dos seus dias de tortura no DOI-CODI, ela viu o carro estacionado em frente ao local, e pôde ter certeza de que o marido estivera ali.

QUAL É O FUTURO DE "AINDA ESTOU AQUI" NAS PREMIAÇÕES?

O filme vem acumulando uma série de prêmios desde a sua estreia no Festival de Veneza, em 2024, onde levou o troféu de melhor roteiro. Embora não conste na lista de algumas premiações organizadas pelos principais sindicatos de Hollywood - caso da ausência de Fernanda Torres no SAG Awards, prêmio do sindicato de atores, e dos roteiristas Murilo Hauser e Heitor Lorega no WGA Awards -, o filme também concorre ao Bafta e ao Critic's Choice Awards na categoria de melhor filme de língua estrangeira.

O Critics acontece no próximo dia 7 de fevereiro, enquanto o Bafta revela os seus vencedores em 16 de fevereiro. O Oscar vai ao ar no dia 2 de março, quando quantos troféus "Ainda Estou Aqui" levará para casa.

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