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Na Alemanha, alagoana se emociona ao ajudar refugiados da guerra da Ucrânia: "Chegam morrendo de fome"

Grupo de brasileiros consegue organizar força-tarefa voluntária para cozinhar sopas e distribuir alimento quente aos ucranianos que sofrem com frio do inverno europeu ao fugirem da guerra

Paulo Victor Malta | 07/03/22 - 15h39
A alagoana Daniella Leite (de blusa preta e touca) com as brasileiras lideradas por Daia Kich (em destaque no primeiro plano) | Daia Kich / Arquivo pessoal

"O impacto foi ver uma família sentada na mala, comendo a sopa que acabamos de fazer. E aquela mala era tudo o que a família tinha. Não tinha mais casa, país ou cama. Estava sentada em tudo o que ela tinha com uma marmita de sopa na mão. Estava sentada na própria 'casa'". O relato que abre essa reportagem é da alagoana Daniella Leite, 35, uma das brasileiras que se juntaram em Berlim, na Alemanha, para ajudar milhares de refugiados que fogem da guerra na Ucrânia. 

Natural de Penedo, região do Baixo São Francisco em Alagoas, a pedagoga Daniella Leite mora na Alemanha desde outubro do ano passado, quando o esposo, Felipe Lima, 34, que é desenvolvedor de software, começou a trabalhar por lá. "Eu estava no explorer do Instagram e vi o post dessa moça: "Como você pode ajudar os ucranianos morando em Berlim". Cliquei e vi que ela tinha ido por si mesma, sozinha, entregar 35 marmitas com comidas quentes na Estação Central de Berlim, que é onde se concentra a principal entrada deles aqui", disse Daniella, que rapidamente se juntou à iniciativa.

A"moça" a quem Daniella se refere é a gaúcha Daiane Kich, de 39 anos, a Daia, como é conhecida, natural de Pareci Novo, no Rio Grande do Sul. Ela mora no Alemanha há seis anos e se mudou para Berlim no ano passado. Mãe de um filho de três anos, Daia decidiu que poderia fazer alguma coisa para ajudar os refugiados ao perceber que, apesar das diversas doações, não havia muitos alimentos quentes para confortar os refugiados que chegam a Berlim no frio do inverno europeu.

Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
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Daia Kich / Arquivo pessoal
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Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal
Daia Kich / Arquivo pessoal

"Postaram num grupo de brasileiros que uma menina ia levar algumas marmitas e eu falei que poderia fazer também. Eu tinha algumas marmitas em casa, fiz a sopa de lentilha e levei para o pessoal no horário do almoço", conta Daia. Segundo ela, voluntários ficaram bastante emocionados ao verem aquela comida quentinha. "Eu falei que poderia trazer mais, pois tinha umas 100 marmitas, mas não estava nem entendendo a quantidade de pessoas que iriam chegar, mas era o que poderia fazer naquele momento". 

As entregas começaram na última quinta-feira, 3, com 86 sopas. O número aumentou desde então, mas a cada novo trem que chega com milhares de pessoas vindas da Polônia, a situação se agrava. "Hoje foi desesperador ver tantas pessoas chegando e não ter comida para todos", lamenta Daia.


Foto: Daia Kich / Arquivo pessoal

A alagoana Danilella ressalta a importância da ação de solidariedade do grupo. "Aqui está muito frio, eles chegam morrendo de fome, não têm quase nada. Tem algumas coisas para doação de comida, só que são tipo sanduíche frio, maçã, um café. Uma coisa nutritiva, quente para eles se alimentarem não tinha", diz Daniella.

Segundo ela, depois que Daia começou a divulgar no Instagram, a coisa tomou outra dimensão. "Nunca vi um movimento tão grande entre brasileiros que estão em outro país fazendo de tudo para ajudar outras pessoas. Foi de muito altruísmo. Eu pensei: 'Estou em casa e posso ajudar'. Passamos alguns dias cortando verduras, embalando marmitas, levando até a estação central", contou Daniella, ressaltando que a temperatura em Berlim estava marcando 9ºC na tarde desta segunda-feira, 7, com sensação térmica de 7ºC. 

Hoje, o grupo de voluntários já chega a 100 integrantes. Eles se reúnem na casa de Daia, onde podem cozinhar e organizar as entregas. "Não imaginei que tomaria essa proporção. Recebi ajuda de muita gente do meu prédio, que são pessoas que nem conheço. Um café aqui da esquina nos doou uma panela elétrica de 27 litros, também fez uma compra grande de mantimentos. Cedeu também o cartão dele para comprarmos as coisas no atacado. Temos uma comunidade brasileira incrível aqui. Logo que falei no Instagram, muita gente começou a chegar e eu não estava conseguindo responder as perguntas", explicou Daia. 

Para além de esquentar e nutrir os ucranianos, o grupo também começou a se mobilizar para distribuir outros tipos de materiais. "Era muito interessante ver como eles recebiam a comidinha quente, a marmita feita. Era muito rápido que acabava. E eles sempre estão pedindo para fazer mais e levar mais, porque a demanda é muito grande, chegam vários trens da Polônia e de outros países ao redor. É muita gente que chega, aos milhares, diariamente. A gente consegue levar cerca de 500 marmitas por dia. Alguns cortam, outros embalam, outros levam, outros disponibilizam seus carros em determinados horários para levar essas marmitas. E não só isso, a gente recebe dinheiro, compra os materiais de fazer as sopas, mas também leva material de higiene pessoal, cabo de celular, carregador, fraldas descartáveis para as crianças, pelúcias, as crianças chegam sem nada, não têm nada para brincar para passar o tempo", observa Daniella. 

Cenas de refugiados impactam - Os momentos de ajuda inevitavelmente se misturam com a dor de ver famílias inteiras fugindo de bombas e tiros. "Eu não estava lá, mas as meninas contando pesou bastante. Ontem, quando elas entregaram uma leva de marmitas, estava uma menina, que deveria ter uns 8 anos, ela estava sozinha e um voluntário estava acolhendo ela. Não tem como saber a história dela. Provavelmente o pai ou a mãe a colocou no trem para tentar uma vida melhor ou se salvar, não sei. Isso me marcou muito. E hoje de manhã, quando a gente viu que chegou um trem com 1.400 pessoas. As meninas falaram que não estavam conseguindo chegar para entregar as marmitas aos voluntários, que as pessoas já estavam pegando as marmitas nas caixas. A situação estava desesperadora, eles não estavam tendo comida suficiente. São duas coisas que me marcaram muito e eu não estava lá. Toda ajuda que estamos recebendo, não sei nem descrever", relatou Daia, bastante emocionada.


A brasileira Daia Kich fala sobre o movimento de ajudar os ucranianos em Berlim

As imagens publicadas pelo perfil da emissora internacional da Alemanha, Deutsche Welle, a DW News, no Instagram, mostram as cenas estarrecedoras de famílias fugindo dos bombardeios russos em Irpin, cidade ucraniana que fica próxima à capital Kiev. São homens jovens, mulheres, crianças, idosos, famílias que levam até os animais de estimação nos braços e correm desesperados na tentativa de escapar do horror da guerra. Foi em Irpin, inclusive, que morreram nesse fim de semana uma mãe e duas crianças, filhos dela, em um ataque de morteiro russo à rota de fuga dos moradores locais.   

"Fugidas. São pessoas como essas que são recebidas aqui. É algo desesperador. Eles não têm literalmente nada. Pouco mais do que uma mochila. Poucos vêm com mais de uma mala", relata a alagoana.


Foto: Daia Kich / Arquivo pessoal

Mais de 1,5 milhão de pessoas já deixaram a Ucrânia para fugir da guerra, noticiou ontem o DW News. Deste número, cerca de 1 milhão se abrigaram na Polônia, de acordo com o governo polonês. A maioria dos refugiados chega a Alemanha, onde Daia e Daniella se esforçam para ajudar, por meio de trens que saem da Polônia em direção a Berlim. "Queremos salvar vidas, isso não depende do passaporte”, declarou a ministra do Interior alemã Nancy Faeser, conforme o DW News compartilhou.

A guerra iniciada pela Rússia chega hoje ao 12º dia e entra na terceira rodada de negociações para um possível cessar-fogo entre o Kremlin de Vladimir Putin e o governo do presidente ucraniano Volodymir Zelensky. Segundo publicação do g1 nesta segunda-feira, 7, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirmou que chegou a 406 o número de civis mortos e 801 feridos desde o início da invasão russa. 

Doações - Sobre o ato de solidariedade com os refugiados, Daia disse que a ficha caiu na última sexta-feira, 4, quando os voluntários levaram as marmitas no final da noite. Com a maior procura de pessoas interessadas em ajudar de alguma forma, ela teve a ideia de colocar o perfil no Instagram à disposição para que as arrecadações possam ser feitas mesmo por quem está longe da Alemanha. Há a possibilidade de brasileiros ajudarem com transferência via Pix e também através do PayPal. Veja as instruções no post abaixo:


Foto: Reprodução / Instagram