Motorista que foge do local do acidente comete crime, decide Supremo

Publicado em 14/11/2018, às 18h40
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante sessão desta quarta-feira (14) | Nelson Jr./SCO/STF
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante sessão desta quarta-feira (14) | Nelson Jr./SCO/STF

Por FolhaPress

A maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) considerou constitucional, nesta quarta (14), o artigo do Código de Trânsito Brasileiro que tipifica como crime abandonar o local de um acidente. Até agora, 6 dos 11 ministros já votaram nesse sentido. A sessão está em andamento.
Os ministros julgam um recurso do Ministério Público contra decisão da Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que absolveu um motorista que abandonou o local de um acidente ocorrido em novembro de 2010 em Flores da Cunha (RS). Em primeira instância, o homem havia sido condenado a oito meses de detenção em regime aberto.

Segundo o registro policial da época, o motorista bateu em um carro parado e fugiu. Ele havia sido visto saindo de um bar. Foi seguido e conduzido à delegacia, apresentando "visíveis sinais de embriaguez". Embora o julgamento no STF se refira a um caso específico, seu resultado deverá ser aplicado a todos os processos similares pelo país (a chamada repercussão geral). Ao analisar o recurso, o Supremo discute a constitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro, que institui pena de seis meses a um ano de detenção ou multa por "afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída".

O entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quando absolveu o motorista, foi o de que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Diferentemente, o relator do recurso no Supremo, ministro Luiz Fux, afirmou que a norma só exige que o motorista permaneça no local do acidente para que seja identificado, mas não o obriga a produzir ativamente prova contra si mesmo.

"O tipo penal do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro tem como bem jurídico tutelado a administração da Justiça, que fica não só prejudicada pela fuga do agente do local do evento, uma vez que tal atitude impede sua identificação, como a consequente apuração do ilícito na esfera penal e civil", disse Fux.

"Ocorre que a exigência de permanência no local do acidente e identificação não obrigam o condutor a assumir expressamente a sua responsabilidade civil ou penal", afirmou. Fux votou por reformar o acórdão da Turma Recursal do TJ gaúcho, condenando o motorista, e consequentemente pela constitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito. Ele foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

"Todos nós brandimos armas contra a morosidade da Justiça, a dificuldade de responsabilização, os lapsos temporais alargados que podem se converter em impunidade. Esse tipo [penal] vem na direção oposta. Portanto, me parece que é constitucional", disse Fachin.

Também falaram na sessão do STF os procuradores de Justiça Alexandre Saltz, do Ministério Público do Rio Grande do Sul, e Gianpaolo Smanio, procurador-geral do Ministério Público de São Paulo. Saltz sustentou que não há direito fundamental absoluto (no caso, o da não autoincriminação) e que outros tribunais estaduais pelo país vêm proferindo, nesse tema, decisões divergentes da do Rio Grande do Sul.

Smanio, que ingressou no processo como amicus curiaes (amigo da corte, em latim), observou que há proporcionalidade no tipo penal, que prevê uma pena pequena para o infrator. "Esta é uma norma importante, devida, que não fere nenhuma das garantias constitucionais do cidadão. O que se pretende com o Código de Trânsito é diminuir esta trágica situação de mortes, acidentes, que precisamos todos juntos enfrentar", disse. Em seu voto, o ministro Barroso também apontou a proporcionalidade do tipo penal.

"A pena prevista é bastante modesta, o que significa que, sobretudo se for um réu primário, em nenhuma hipótese haverá risco de constrição de liberdade", afirmou. "Nós estamos validando um tipo penal que resultou da escolha do legislador."

Do outro lado, Pedro Paulo Carriello, representante da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que também ingressou como amicus curiae, sugeriu que só o fato de a norma obrigar o motorista a ficar no local do acidente já significa que ela o obriga a se autoincriminar. "Ficar em silêncio? Mas minha placa está ali, meu carro está ali. Não é igual um delito de furto, que você esconde o celular [furtado]. Meu carro está ali, abalroado", disse. Para Carriello, a busca por uma melhoria no trânsito não deve se dar por meio do direito penal.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, destacou o elevado número de mortes no trânsito no país -37.345 em 2016, segundo os dados mais recentes do SUS- e defendeu o Código de Trânsito como uma ferramenta importante para enfrentar o problema.

"O Brasil convive com uma epidemia de acidentes de trânsito, e em socorro a uma regulamentação que venha contê-la adotou duas leis importantes: o Código de Trânsito e a Lei Seca. Essas duas importantes leis têm alcançado seu desiderato principal, que é reduzir as mortes no trânsito e dar mais segurança àqueles que usam as vias públicas. Os números, todavia, ainda continuam muito elevados", disse Dodge.

No processo, a PGR afirmou que "essa alta taxa de lesividade no trânsito justifica uma intervenção estatal contundente nas liberdades individuais por meio da criação de restrições especiais, em benefício da segurança da sociedade". "É nesse contexto que se deve entender a exigência de que o condutor do veículo acidentado permaneça no local do sinistro. Do contrário, estará cerceada, por exemplo, a possibilidade de constatação de embriaguez ou de influência de substâncias psicoativas pelas autoridades de trânsito", sustentou o órgão.

Em março de 2015, a PGR ajuizou uma ADC (ação declaratória de constitucionalidade) sobre o mesmo assunto, para que o Supremo reconheça a constitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito, pacificando de vez a questão e unificando as decisões pelo país. A ação, sob relatoria do ministro Marco Aurélio, ainda não foi julgada, apesar de a PGR ter pedido para que fosse analisada junto com o recurso sobre o caso do Rio Grande do Sul.

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