Mostra reforça olhar sobre a relação entre Oriente Médio e América Latina

Publicado em 06/08/2018, às 17h55

Por Redação

Uma das ruas que levam até o palácio do governo palestino na Cisjordânia tem um nome inesperado: rua Brasil. Ou talvez não seja tão inesperado assim.

Mesmo um tanto discreta e nem sempre recordada, uma comunidade de imigrantes palestinos vive no Brasil há sete décadas, desde a fundação de Israel em 1948, que lhes fez deixar a sua terra natal.

Não há estimativas oficiais de quantos são, mas costumam dizer que eles superam dezenas de milhares. Essas famílias são o tema do documentário "A Palestina Brasileira", um dos destaques da Mostra Mundo Árabe de Cinema, realizada neste ano em São Paulo a partir desta quarta. Será a 13ª edição do evento.

O festival, organizado pelo Instituto da Cultura Árabe, costuma trazer as principais produções cinematográficas médio-orientais ao Brasil.

Nestes últimos anos, o evento tem consolidado um eixo específico voltado às relações entre o Oriente Médio e a América Latina –há uma parceria com o Festival Internacional de Cinema Árabe Latino, de Buenos Aires. No ano passado, por exemplo, foi exibido o longa inédito "Para Onde Ir?", filmado por Georges Nasser em 1957, sobre a migração libanesa para o Brasil.

O documentário "A Palestina Brasileira" foi dirigido pelo jornalista e cineasta Omar de Barros Filho, 66, nascido em Porto Alegre. Ele acompanhou seis famílias palestinas fugidas das guerras de 1948 e estabelecidas no sul do país.

Parte da produção foi feita na Cisjordânia, um território sob a ocupação de Israel desde 1967, registrando as terras abandonadas por aqueles imigrantes há 70 anos e os parentes que ainda seguem por ali.

"O filme tem essa proposta ambiciosa de conectar as memórias daquele passado com o presente no território palestino", afirma Barros em entrevista à Folha.

Diversas famílias que ele seguiu, por exemplo, mandaram seus filhos de volta aos territórios palestinos para estudar e assimilar a língua árabe.

"Fiquei muito sensibilizado por saber que as famílias enviam seus filhos a um território ameaçado pela violência, pela guerra, para que tenham um contato maior com a cultura deles", comenta o cineasta.
O registro das situações em território disputado e militarizado teve suas dificuldades.

O hotel onde Barros estava hospedado em Ramallah, capital da autoridade palestina, foi invadido pelas forças de segurança israelenses em uma operação noturna, segundo seus relatos. O filme não entrevista oficiais israelenses.

"Depredaram nossos quartos, abriram nossas malas", conta. Barros diz que, apesar de ter pedido explicações ao governo israelense, não recebeu justificativa para aquelas ações. No aeroporto de Israel, no retorno para o Brasil, uma de suas câmeras foi confiscada e nunca mais devolvida.

Além dessa produção brasileira, há outro filme destacado no eixo latino-americano da mostra. É "Yallah! Yallah!", uma obra do diretor argentino Fernando Romanazzo. Esse filme também foi rodado nos territórios palestinos, mas tinha um interesse bastante específico: o futebol.

"Yallah! Yallah!" –em português, algo como "Vai! Vai!"– segue diversos personagens palestinos ligados à bola, como um treinador, a diretora de uma associação esportiva, um jogador e um torcedor.

Mesmo que o documentário não trate exatamente do conflito entre árabes e israelenses, essa situação fica óbvia. Há jogadores detidos pelas autoridades e outros impedidos de circular de um território a outro devido ao muro construído entre a Cisjordânia e Israel. A obra é dirigida também por Cristian Pirovano.

Romanazzo teve a ideia para o filme quando um amigo, trabalhando nos territórios palestinos, recebeu de um refugiado uma carta endereçada aos treinadores da seleção argentina. A missiva incluía sugestões para que a Argentina vencesse a Copa de 2014.

"Era curioso que um palestino, tão longe de nós, buscasse a mesma coisa que os argentinos: que fôssemos campeões", diz, em entrevista à Folha.

"Coloquei a mim mesmo no lugar deles e pensei como seria viver ali, naquele contexto, com essa paixão pelo futebol."

"Há um monte de situações inimagináveis para a gente, mas que são comuns ali. Coisas simples, como um treino ser cancelado, um jogador não poder se tratar de uma lesão e um torcedor comprar o seu ingresso sem saber se a partida vai ser jogada", afirma.

"Vemos no noticiário as histórias de bombardeios, atrocidades. Mas é mais fácil criar empatia com o futebol, fazer com que as pessoas entendam aquilo de maneira mais próxima", diz. "O futebol é universal. É usado para vender coisas, mas acreditamos que pode ser usado também para unir e dar visibilidade."

A Mostra Mundo Árabe de Cinema é organizada pelo ICArabe, pelo Sesc e pelo Centro Cultural Banco do Brasil, contando também com o patrocínio da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. O evento vai até 27 de agosto.

São 23 produções, 8 delas inéditas. A abertura será feita no dia 8 com o longa "Wajib - um Convite de Casamento", da palestina Annemarie Jacir. Barros e Romanazzo estarão presentes durante a mostra para conversar com o público.

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