Morre Vargas Llosa, prêmio Nobel e último gigante da geração dourada da literatura latino-americana

Publicado em 14/04/2025, às 08h56
Mario Vargas Llosa - Foto: Valor Econômico
Mario Vargas Llosa - Foto: Valor Econômico

Por BBC

Mario Vargas Llosa, escritor peruano vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, morreu neste domingo em Lima, aos 89 anos, segundo informaram seus filhos em um comunicado.

Vargas Llosa foi autor de obras marcantes da literatura latino-americana, como "A Festa do Bode", "Conversa no Catedral" e "A Guerra do Fim do Mundo".

"Sua partida entristecerá seus parentes, amigos e leitores, mas esperamos que encontrem consolo, como nós, no fato de que ele teve uma vida longa, múltipla e frutífera, e deixa para trás uma obra que o sobreviverá", disseram no comunicado os filhos do escritor, Álvaro, Gonzalo e Morgana.

"Agiremos nas próximas horas e dias de acordo com suas instruções. Não haverá nenhuma cerimônia pública. Nossa mãe, nossos filhos e nós mesmos esperamos ter o espaço e a privacidade para nos despedirmos em família e na companhia de amigos próximos. Seus restos mortais, como era sua vontade, serão cremados", acrescentaram.

Obra prolífica
Vargas Llosa soube desde muito jovem que queria ser escritor.

E a isso dedicou sua vida com a disciplina de um operário, até alcançar o reconhecimento universal como autor — e também uma divisão de opiniões em torno de sua figura pública que não se via no Ocidente desde a época do filósofo Jean-Paul Sartre.

Talvez não seja totalmente coincidência: Sartre foi um de seus primeiros modelos (os colegas de juventude o chamavam de "o pequeno Sartre corajoso") e, embora depois tenha criticado as ideias políticas do francês, até o fim foi um escritor engajado, comprometido com sua realidade, como pregava o famoso existencialista - Vargas Llosa chegou a ser candidato à presidência do Peru em 1990, mas perdeu para Alberto Fujimori.

Essa disciplina e compromisso o levaram a produzir uma obra de surpreendente abundância: 20 romances, um livro de contos, 10 peças de teatro, 14 livros de ensaio, dois de crônicas e um de memórias, além de múltiplas coletâneas de suas colunas e textos avulsos.

Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em 28 de março de 1936, em Arequipa, no sul do Peru.

E embora sempre a tenha apontado como seu lugar de origem (e é lá que, na casa colonial onde nasceu, repousa sua biblioteca), viveu nela apenas um ano.

Em 1937, seu avô Pedro J. Llosa decidiu mudar-se para Cochabamba, na Bolívia, para administrar uma fazenda de algodão. Lá, cercado por mulheres e pela autoridade benigna do avô, Vargas Llosa viveu aquilo que ele próprio descreveu como uma espécie de paraíso.

A queda na realidade viria nove anos depois, quando a família materna retornou para viver no Peru, desta vez na cidade de Piura, onde seu avô foi nomeado prefeito.

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O que aconteceu em Piura foi um dos eventos fundamentais de sua vida — tanto que é com ele que começa "Peixe na Água", o mais próximo de uma autobiografia que Vargas Llosa chegou a escrever.

"Minha mãe me pegou pelo braço e me levou para a rua pela porta de serviço da prefeitura. Caminhamos em direção ao Malecón Eguiguren. Eram os últimos dias de 1946 ou os primeiros de 1947, pois já havíamos feito as provas no Salesiano, eu havia terminado a quinta série primária e já era verão em Piura, com sua luz branca e um calor sufocante.

— Você já sabe, é claro — disse minha mãe, sem que sua voz tremesse. — Não é verdade?

— O quê?

— Que seu pai não está morto. Não é verdade?

— Claro. Claro que sim.

Mas eu não sabia. Nem remotamente suspeitava."

Ernesto Vargas, o homem que havia abandonado a mãe do futuro escritor poucos meses antes de seu nascimento, estava de volta para ocupar seu lugar patriarcal no centro da família.

E como ocupou: naquele mesmo dia, sem sequer avisar à família de sua esposa, Dora, levou todos para viver em Lima, capital peruana.

É possível que a pulsão de Mario, o escritor, tenha nascido ali — na luta descomunal e desigual de vontades que se iniciou entre aquele menino e seu pai tirânico.

Lima, detestável
Também em "Peixe na Água", Vargas Llosa conta que detestou Lima desde o primeiro momento e se refugiou nas revistas em quadrinhos e nos romances de aventura de Júlio Verne, Emilio Salgari e Karl May.

Quando Mario tinha 14 anos, seu pai cumpriu a ameaça de colocá-lo num colégio militar, o Leoncio Prado. Lá, passaria quatro anos e, ao contrário do que seu pai desejava, enfrentaria um microcosmo do que era o Peru — com jovens de todas as classes sociais e raças do país — além da tremenda violência que emergia desses encontros. E foi isso que o convenceu de seu desejo mais íntimo: ser escritor.

Sobre sua experiência no colégio militar, escreveria, aos 26 anos, seu primeiro romance: "A Cidade e os Cachorros", que não apenas o lançaria à fama como também inauguraria o movimento literário com o qual seria identificado por toda a vida: o boom da literatura latino-americana.

Mas isso viria um pouco mais tarde. Antes haveria a experiência completa de Lima (com um breve intervalo em Piura para concluir o ensino médio, escrever sua primeira peça de teatro, A Fuga do Inca, e trabalhar na editoria policial de um jornal), cidade que já não lhe pareceria tão detestável.

Na capital, trabalhou em jornais e como assistente de um historiador, estudou Direito e Literatura na Universidade de San Marcos, foi brevemente membro do Partido Comunista (então proibido) no Peru e ganhou uma viagem de 15 dias a Paris pelo conto O Desafio, que integra seu único livro de contos, "Os Chefes".

Foi nesse período que conheceu a obra de José Carlos Mariátegui, Karl Marx e Sartre — fundamentais para sua formação política inicial — e também a do norte-americano William Faulkner, que o marcou profundamente por sua técnica narrativa prodigiosa. Leu também com avidez Alexandre Dumas, Victor Hugo e Gustave Flaubert, outro de seus grandes mestres.

Foi também nessa época que, num ato de rebeldia tribal, casou-se, aos 19 anos, com sua tia materna, Julia Urquidi, 11 anos mais velha e divorciada.

Da relação com ela e de seu trabalho na Rádio Panamericana surgiria um de seus romances mais bem-sucedidos e divertidos: "A Tia Júlia e o Escrevinhador". Da experiência em Lima durante a ditadura do general Manuel Odría viria a monumental Conversa no Catedral, e de Piura e duas estadias na Amazônia peruana, A Casa Verde.

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