Moradores dão jeitinho e encontram 'points' para furar quarentena em Salvador

Publicado em 09/05/2020, às 21h46
Fernanda Santana/Correio 24 horas
Fernanda Santana/Correio 24 horas

Por Correio 24 horas

Não fosse pelas máscaras nos rostos - muitas vezes penduradas sob o nariz ou queixo - a impressão seria de um sábado normal. Pessoas circulavam nas ruas, com compras às mãos, conversavam próximas umas das outras, jogavam dominó na praça e paravam um tempo na banca de revista para bater papo. No bairro de Brotas, o segundo lugar com maior número de infectados pelo coronavírus em Salvador, os moradores têm encontrado maneiras de furar a quarentena e eleito pontos de encontro para isso. 

A reportagem circulou por alguns dos pontos mais movimentados do bairro, como a Avenida Dom João VI, a Ladeira da Cruz da Redenção, Acupe de Brotas e Daniel Lisboa, por volta do meio-dia deste sábado (9). A chuva provocou uma dispersão, mas, ainda assim, foi possível observar moradores aglomerados, em desrespeito às medidas de restrição continuamente reforçadas para evitar a propagação do vírus.


Lá, já são 53 casos notificados, atrás apenas do bairro da Pituba, com 72 registros, segundo o boletim mais atualizado da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), da última quinta-feira (7).

A crescente no número de casos tem chamado atenção de moradores que cumprem a quarentena e assistem, assustados, ao fluxo ainda intenso de pessoas e carros. Os frigoríficos, padarias, bancas de revista e até bares - com funcionamento legalmente suspenso por decreto na capital baiana - transformaram-se nos “points” de gente que, pelo menos aparentemente, não têm medo de se contaminar.

Na entrada da Rua Teixeira Barros, logo depois da subida da Cruz da Redenção, era possível avistar uma longa fila para entrar num figrorífico, enquanto outras pessoas circulavam entre barracas de frutas e hortaliças. "A pandemia acabou!", ironizou um rapaz, ao ver a reportagem fotografar a cena. Outro foi menos receptivo. "Pare de tirar foto, a gente tá aqui porque precisa", bradou um vendedor. Havia até trânsito na região. A pandemia não acabou, diferentemente do que disse o homem mascarado e vestido com capa de chuva amarela, mas era o que parecia. 


Na região de Daniel Lisboa, um outro frigorífico junta moradores, principalmente aos sábados, e um bar, embora aparentemente fechado, vende bebidas a pessoas que se reúnem, em pé, à frente do espaço, com latinhas e garrafas de cerveja. O decreto autoriza que os estabelecimentos despachem os produtos e liberem os clientes, não que eles permaneçam, como tem sido observado. 

Uma moradora que preferiu não se identificar e estava à caminho do frigorífico disse que passou a acompanhar da varanda de casa o vaivém de pessoas para decidir qual é o melhor horário para fazer compras essenciais. 

Nem sempre só espaços que prestam serviços essenciais estão abertos. Lojas de roupas, tecido, floriculturas, salões de baleza e bombonieres mantém o funcionamento normal, sem disfarce. Uma loja de roupa íntima, aberta, anunciava num aviso, a venda de máscaras neste sábado. 

O jeitinho

Diariamente, Catharine Rosas, 23 anos, circula da Avenida Dom João VI até o Horto Florestal. Ela vai e volta a pé do trabalho para casa e, no trajeto de quatro quilômetros de caminhada, em média, vê a aglomeração de pessoas até em happy-hour - encontros depois do trabalho -, por exemplo.

Como em Daniel Lisboa, um bar da região também retirou as mesas e cadeiras do lado de fora, mas continua comercializando bebidas num novo modelo ilegal de funcionamento. A bebida é despachada, mas os clientes ali continuam, com máscaras abaixadas, para beber. É possível denunciar aglomerações de pessoas gratuita e anonimamente por meio do Disk Aglomeração, no número 160. 

No Acupe de Brotas, com 11 casos notificados, na praça próxima a um módulo policial, é sempre possível encontrar pessoas bebendo e numa partida de dominó. "Aqui parece que nem mudou nada. Ficam jogando dominó, bebendo e alguns até sem máscara", disse Jeff Pascoal, 22.

Para quem precisa manter o trabalho em meio à pandemia, e atua diretamente com outras pessoas, o clima é de receio pela própria saúde e dos colegas. O taxista Marcelo Rocha, 54, circula pelo bairro frequentemente e observa o movimento com tristeza.

Na noite da última sexta (8), um colega de trabalho morreu, vítima de covid-19, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro. “Ontem eu passei num acesso para a Avenida Dom João VI, e tinha trânsito. Isso por volta das 11h. Para mim está claro que as primeiras semanas foram de muita adesão e depois foi afrouxando”, opinou o taxista. 

O bairro é um símbolo de boa parte da cidade - e das cidades brasileiras, como um todo. De um lado, estão os defensores do isolamento social como forma de prevenção e achatamento da curva de contaminado; do outro, os que desdenham. Arthur Lima, 27, fica indignado sempre que retorna para casa depois de buscar a mãe, enfermeira em uma Unidade de Terapia Intesiva (UTI) de pacientes com covid-19, e voltar para Brotas.

O CORREIO perguntou ao secretário de Saúde de Salvador, Léo Prates, se Brotas integra o radar das autoridades. Ele respondeu que "todos os bairros estão no radar", mas que estão atentos aos locais "onde os indicadores, não só da saúde, tem apontado uma maior probabilidade de contaminação".

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