Modelo de avião que caiu em SP já perdeu controle por gelo em voo de Maceió a Salvador, diz Cenipa

Publicado em 13/08/2024, às 13h33
Aeronave modelo ATR 72-500 da empresa Voepass | Wesley Santos / Folhapress
Aeronave modelo ATR 72-500 da empresa Voepass | Wesley Santos / Folhapress

Por TNH1*

O modelo de avião ATR 72, que caiu na última sexta-feira, 9, e provocou a morte de 62 pessoas em Vinhedo, São Paulo, já apresentou problemas por gelo durante voo entre as cidades de Maceió e Salvador no ano de 2013. É o que diz um relatório do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) em reportagem publicada nesta terça-feira, 13, no Uol. 

Segundo a coluna do jornalista Carlos Madeiro, o relatório, datado de 4 de outubro de 2021, foi produzido após o órgão realizar uma extensa investigação do que ocorreu com a aeronave durante a viagem. O Cenipa classificou o caso como um "incidente grave" que teve "múltiplos fatores contribuintes". Os técnicos investigadores indicaram que três fatores provocaram a perda de controle:

  • Condições meteorológicas adversas;
  • Decisões equivocadas da tripulação;
  • Potenciais falhas e fatores de manutenção e projeto.

As condições meteorológicas na última sexta-feira também apontavam para formação severa de gelo na rota do ATR 72 que despencou em Vinhedo. Desde o dia do acidente essa tem sido uma das hipóteses comentadas por especialistas para justificar a queda do avião da Voepass, no entanto, só a investigação da Cenipa vai afirmar o que de fato provocou o acidente. 


Relatório do Cenipa mostra reprodução de voo do ATR entre Maceió e Salvador em 2013 (Foto: Reprodução/Cenipa)

De acordo com a coluna, o voo citado entre Maceió e Salvador ocorreu no dia 26 de julho de 2013. A companhia aérea que o operou foi a extinta Trip, que havia fundido operações com a Azul em 2012. Assim como na aeronave da Voepass, o avião levava quatro tripulantes e 58 passageiros. No caso, porém, a aeronave conseguiu pousar em segurança e ninguém se feriu.

"O céu naquela noite estava nublado a encoberto, com nuvens e cristais de gelo. O voo seguiu sem problemas até a altitude de cruzeiro (16.000 pés), voando a uma velocidade de 202 nós (354 km/h). O voo decolou às 18h10 e tudo ia bem até 18h37, quando a tripulação identificou "formações meteorológicas" e discutiu a necessidade de desvios na rota", diz trecho da coluna.

Na conversa entre piloto e copiloto, eles demonstram dúvidas sobre os dados apontados no radar meteorológico. Sete minutos depois, eles percebem uma formação de gelo. A partir daí, tem início uma sequência de 13 minutos de problemas, que levaram à emergência na aeronave. Veja abaixo a sequência dos trechos publicados pelo Uol e a coluna na íntegra:

  • 18h48 - Comandante observa a queda de velocidade da aeronave (estava em torno de 185 nós) devido à formação de gelo. A tripulação, então, solicita desvios à esquerda para fugir de mau tempo.
  • 18h49 - Comandante entrega o voo ao copiloto.
  • 18h53 - Copiloto aciona as luzes de "atar cintos" e solicita desvio de rota à esquerda.
  • 18h54 - Gravador de voz da cabine registra som semelhante ao de voo em uma região com chuva. Comandante retorna à cabine e reassume o controle.
  • 18h59 - Gravador registra uma forte vibração no avião. A potência dos motores é reduzida para 20% de torque, e a velocidade indicada cai para 158 nós e começa a perder sustentação. Piloto automático é desligado.
  • 19h00 - Início de vibração na cabine, aumentando progressivamente de intensidade. Motores reduzem a potência de 72% para 20%, e a velocidade chega a 148 nós.Nesse momento, ativa-se de forma automática a campainha de "atar cintos" e soa um alarme triplo na cabine --entre eles de estol (perda de sustentação). Copiloto declara mayday (emergência) e solicita à torre a descida da aeronave.
  • 19h01 - Acionamento dos manetes das hélices para a posição bandeira (espécie de ponto morto). Vibração para, hélices são ajustadas de volta a 82% de potência, e tripulação retoma o controle da aeronave e segue até o pouso.

Nesse pequeno intervalo de tempo entre o estol [perda de sustentação] e a recuperação, a aeronave chegou a atingir um ângulo de ataque (entre a asa do avião e o fluxo de ar) de 52°, e um ângulo lateral de 58º à esquerda. Houve uma queda de 5 mil pés de altitude.

Segundo o relatório, houve momentos em que ele foi de um lado para o outro. O problema ocorreu quando a aeronave sobrevoava o município de Esplanada (BA).

"A aeronave se aproximou perigosamente do seu limite crítico, o que poderia ter resultado em uma perda total de sustentação e consequente queda livre", afirma um piloto, que pediu para não ser identificado. "No meu entender, foi exatamente a situação que ocorreu [com o avião da Voepass]."

Erros e falhas - Segundo as leituras do gravador de dados, não houve mau funcionamento ou falha do motor em voo.

O Cenipa, em sua avaliação, apontou que a decisão do comandante de reduzir a potência do motor em resposta à vibração da aeronave "exacerbou a perda de velocidade aerodinâmica, levando a um estol".

"A tripulação reduziu a potência do motor em vez de aplicar potência máxima, como recomendado para condições de gelo severo", diz o relatório do Cenipa.

Ainda para o Cenipa, houve gerenciamento inadequado de tarefas e comunicação confusa na cabine, o que pode ter atrasado a tomada de decisão e a aplicação de procedimentos corretos. A tripulação alegou que interpretou erroneamente a vibração como um problema com a hélice, em vez de um estol induzido por gelo, já que uma outra tripulação havia relatado problema semelhante em janeiro.

Sistema potencialmente falho - A investigação ainda aponta que o sistema APM (monitoramento de desempenho da aeronave), projetado para alertar a tripulação sobre condições perigosas de gelo, estava inoperante durante o voo.

A tripulação relatou não ter observado qualquer indicação de que o APM se encontrava em "off". O fato de ele estar desativado sem o conhecimento dos pilotos levantou preocupação do Cenipa sobre a confiabilidade do sistema.

Antes desse voo, o livro técnico da aeronave tinha dois relatos de falha no APM, nos dias 16 e 21 daquele mês. "Em ambos os casos, foram adotadas as ações e o problema foi considerado solucionado", diz.

A ausência de um red bug (indicador de velocidade mínima para voo em condições de gelo) no velocímetro do comandante também pode ter prejudicado a consciência situacional, diz o Cenipa.

Fabricante tomou medidas - O relatório do Cenipa aponta que a fabricante realizou uma visita técnica à companhia aérea para esclarecer eventuais questões referentes a procedimentos de voo em condições de gelo.

O treinamento periódico dos pilotos foi reformulado após o caso, dando-se maior ênfase ao gerenciamento do voo em condições de formação de gelo na aeronave.

A ATR também identificou áreas de melhoria em termos de redação, formatação e apresentação, para facilitar a tomada de decisão da tripulação e a recuperação de informações essenciais durante o voo.

Sobre as falhas no indicativo do APM, a ATR disse que diz que fez extensa investigação, e que a única condição identificada seria a falha do próprio botão de alerta.

*Com informações da coluna do jornalista Carlos Madeiro, do Uol. 

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