Os ataques criminosos no Rio Grande do Norte, iniciados na madrugada de terça (14), têm relação com uma união de facções que reivindicam mudanças nas condições nos presídios do estado, segundo o Ministério Público potiguar.
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Para os investigadores, as ações têm sido usadas para cobrar a volta de visitas íntimas e a permissão do envio de comida pelas famílias. Inspeção realizada no fim do ano passado por órgão federal apontou a prática de tortura física e psicológica, com castigos e fornecimento de comida estragada.
A governadora Fátima Bezerra (PT) afirma que vai investigar as denúncias.
Diante dos atentados contra ônibus, prédios públicos, bancos e lojas, aulas foram canceladas e moradores de ao menos 21 cidades vivem sob medo.
Nesta quarta (15), um homem apontado como financiador e um dos líderes da onda de violência foi morto em suposto confronto com policiais na Paraíba. José Wilson da Silva Filho, 29, era foragido e estava escondido em uma residência no bairro de Paratibe, em João Pessoa, segundo a Polícia Civil potiguar.
Outro suspeito está internado. Até o início da noite, 42 pessoas foram presas e um adolescente foi apreendido, segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do RN. Doze armas, 39 artefatos explosivos, nove galões de gasolina, além de drogas e munições, foram apreendidos pelos agentes.
Cerca de cem policiais da Força Nacional circula nas ruas de Natal. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, também anunciou o envio da Força de Intervenção Penitenciária para o estado.
A apuração do Ministério Público aponta que o Sindicato do Crime, do Rio Grande do Norte, e o PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo, deixaram os planos de vingança após o massacre de Alcaçuz, em 2017, para pleitear melhorias nos presídios.
Na época do confronto, integrantes da facção paulista entraram em um pavilhão do Sindicato e mataram 26 pessoas. O episódio foi o ápice de uma rivalidade iniciada em 2012, quando o grupo potiguar se consolidou como uma dissidência do PCC por discordar das regras e dos valores mensais cobrados pela organização.
Juliana Melo, antropóloga e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, diz que o Sindicato ganhou projeção quando organizou uma greve de fome em 2014, após uma tentativa de instalar bloqueadores de sinal de celular na prisão de Parnamirim.
A relação entre as facções ficaria pior com o assassinato de Berg Neguinho, líder do Sindicato do Crime, pelo PCC. A pesquisadora diz que hoje o Sindicato é um grupo forte e que cresceu em meio a tentativas do poder público de negar a existência de facções.
"O massacre de Alcaçuz foi avisado pelas famílias às autoridades, e os ofícios foram arquivados. Mas a facção criou estatuto e desenvolveu relações com outros grupos, como o Comando Vermelho, e atuação no mercado da droga e no controle de territórios."
Logo depois do episódio, diz Melo, os presos relataram tortura física e psicológica. "A prisão era vista como um queijo suíço, construída sobre dunas e fácil de escapar. Isso mudou. Não tem mais celular ou tomada."
Segundo Promotoria, denúncias de maus-tratos sempre são investigadas, mas principais queixas dos presos --falta de visitas íntimas, que não acontecem desde o massacre, e a proibição do envio de comida por parentes-- fazem parte do controle restabelecido após 2017.
Para o órgão, a visita permitida na lei de execuções penais é a social, para manter o convívio familiar. Já o envio de comida gera risco de troca de informações e o envio de celulares, chips ou drogas.
INSPEÇÃO - Os detentos no sistema estadual do Rio Grande do Norte convivem com um déficit de mais de mil vagas, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária. São 7.804 presos para 6.353 vagas.
A situação do estado piorou nos últimos anos, segundo a perita Bárbara Coloniese, do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão federal.
"O funcionamento do sistema prisional do RN é baseado na prática sistemática de tortura física e psicológica", afirma. Ela inspecionou cinco unidades do estado em novembro do passado, duas delas prisões: Ceará Mirim e Alcaçuz.
A perita também disse que a comida é insuficiente e grande parte servida é estragada, que vários presos estão nas celas com dedos quebrados e marcas de bala no corpo e que o fornecimento de água acontece três vezes por dia. Ainda, afirma que uma das formas de castigo é colocar presos doentes com tuberculose junto com outras pessoas em celas.
Coloniese diz que a entidade enviou ofícios ao Ministério Público e ao governo do estado com alertas sobre a situação, e que representantes não foram recebidos pela governadora. O relatório oficial sobre a inspeção do fim do ano passado deve ser publicado nos próximos dias.
A Promotoria diz que investiga as denúncias recebidas sobre maus-tratos.
A gestão Fátima Bezerra foi procurada sobre as suspeitas de tortura, comida estragada e falta de assistência médica apontadas pelos peritos, mas não respondeu até a publicação.
Em entrevista na tarde desta quinta à rádio 98 FM Natal, a governadora disse que o estado é referência em projetos de ressocialização de presos e que vai investigar as denúncias. "O governo jamais compactuará com medidas de arbítrio. Por parte da governadora, o que será feito é uma investigação profunda para saber se isso procede."
A pasta de Administração Penitenciária diz que aguarda o relatório da inspeção de 2022, e que já atendeu ofícios recebidos sobre a situação. Afirma que o então vice-governador Antenor Roberto (PCdoB) recebeu os peritos em 25 de novembro de 2022.