Milhares voltam a defender 'sonho' de Luther King 60 anos após marcha histórica

Publicado em 27/08/2023, às 23h02
Reprodução/Youtube
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Por Fernanda Perrin/Folhapress

Em agosto de 1963, Martin Luther King proferia seu famoso discurso "Eu tenho um sonho" em Washington. Sessenta anos depois, manifestantes voltaram a se reunir no mesmo local da capital americana movidos por preocupações não muito diferentes.

A Marcha sobre Washington por Empregos e Liberdade, liderada por King, reuniu 250 mil pessoas no Memorial Lincoln. Empunhando a bandeira da defesa da igualdade entre negros e brancos, foi um momento crucial para o movimento pelos direitos civis nos EUA.

Sob o mote "não é uma comemoração, é uma reafirmação", milhares de pessoas se juntaram novamente sob a tarde de mais de 30° neste sábado (26). Até a publicação desse texto, ainda não havia número oficial, mas os organizadores estimavam 75 mil manifestantes. Negros eram a maioria dos presentes.

“Há 60 anos, Martin Luther King falou sobre um sonho. Sessenta anos depois, nós somos sonhadores. Os sonhadores estão em Washington. Os conspiradores estão sendo fichados em Atlanta, na Geórgia, na cadeia do Condado de Fulton", discursou o reverendo Al Sharpton, ativista dos direitos civis, em referência à detenção temporária de Donald Trump na última quinta (24) devido à sua tentativa de subverter o resultado das eleições presidenciais de 2020.

Nos cartazes, além de frases de ordem contra o racismo, muitas pessoas também pediam respeito às pessoas LGBTQIA+, aos direitos das mulheres, aos latinos, aos asiáticos e às comunidades de imigrantes.

Entre as preocupações mais visíveis no ato, estavam as mudanças legislativas em alguns estados americanos, em especial no sul do país, que dificultam o voto dos mais pobres, sobretudo de minorias.

"Se você se parece comigo, você pode ter menos direitos políticos no seu aniversário de 18 anos do que o que foi prometido a você no dia que você nasceu. Se você é uma mulher jovem como eu, você pode ter menos direitos individuais", disse Yolanda Renee King, 15, neta de Luther King.

Também discursou no púlpito, nas escadas do memorial, Hakeem Jeffries, líder dos democratas na Câmara --o primeiro homem negro a liderar um partido no Legislativo americano. O presidente Joe Biden não participou do evento, mas deve receber lideranças dos direitos civis na Casa Branca na segunda (28).

"Eu tenho 66 anos e me lembro de ver a marcha aos 7, e muitas das questões da época continuam atuais", disse Douglas Freeland, ex-executivo do McDonald's que hoje se define como articulista. De Chicago, ele estava em Washington a turismo, e aproveitou para passar na marcha.

Para ele, os Estados Unidos ainda não foram capazes de viver pelos ideais firmados em sua Constituição. Freeland, que se diz independente com tendências democratas, avalia que Joe Biden faz um bom governo, com aumento da geração de empregos e projetos de infraestrutura.

Na sua opinião, Trump deveria ser considerado inelegível --o ex-presidente americano responde a quatro processos criminais e corre o risco de ser condenado antes mesmo da eleição. Na prática, porém, como os EUA não possuem uma legislação como a Lei da Ficha Limpa, não há nenhum impedimento legal contra a candidatura de um réu ou mesmo de uma pessoa presa. "Os republicanos estão do lado errado da história. Todos nós precisamos nos unir e colocar essas pessoas de volta no lugar delas", disse Freeland.

Nicole, 30, estava sentada em uma canga junto com a filha de 4 anos. Ela disse que foi à marcha neste ano porque é um momento importante para sua cultura. "Os problemas continuam sendo os mesmos."

Ela, no entanto, afirma não ver nenhuma boa liderança política nos Estados Unidos atualmente. Questionada sobre o governo Biden, ela respondeu: "Sem comentários. Eu realmente não sei o que dizer."

Já Gavin, 32, veio de Nova Orleans, no sul do país, exclusivamente para participar da marcha. "Em 60 anos nós avançamos muito, mas não podemos recuar. Não me importo se existem celebridades negras milionárias. Muitas pessoas ainda vivem na pobreza."

Ele não define os Estados Unidos como um país racista, mas sim com muitas pessoas racistas. Gavin se disse ainda preocupado com as eleições do próximo ano. "Em 2016, eu teria dado risada [sobre Trump ser eleito]. Aprendi que tudo é possível."

A denúncia da crescente desigualdade é comum entre os manifestantes. Darryl, 60, nascido em Washington, mas que hoje vive em Minnesota, diz que não reconhece mais o bairro onde cresceu. "Há muita gentrificação, as pessoas mais pobres estão sendo expulsas da cidade."

Em Washington, no caminho entre a estação de metrô e o memorial, os participantes da marcha precisavam passar por um acampamento de pessoas sem teto.

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