Em visita ao Brasil em março, membros da comitiva do presidente da França, Emmanuel Macron, assinaram acordos para ampliar a colaboração entre os países para pesquisas na área de minerais estratégicos.
O acordo tem, como pano de fundo, o interesse dos franceses em pesquisar as reservas de urânio e, no futuro, importar o minério brasileiro, segundo pessoas que participaram das negociações.
Do lado brasileiro, autoridades acreditam que as tratativas podem facilitar ainda um avanço nas negociações entre Brasil e França para a construção do primeiro submarino de propulsão nuclear nacional –plano que enfrenta uma série de entraves.
A íntegra dos acordos é mantida em sigilo entre as partes. Os documentos são duas declarações de intenções cujo embrião foi uma carta assinada no ano passado entre o Serviço Geológico do Brasil e a Agência de Pesquisas Geológicas e Minerais da França.
"As declarações firmadas incluem proposta de compartilhamento de conhecimentos e boas práticas em legislação, regulação, orçamento e organização no setor de mineração, e explorar conjuntamente a possibilidade de atrair financiamentos para reforçar a sua parceria e apoiar projetos conjuntos", disse em nota o Ministério de Minas e Energia, signatário brasileiro das declarações de intenções.
A pasta disse ainda que os acordos "reafirmam politicamente a intenção do Brasil e da França em cooperação e parceria nas áreas mencionadas".
As declarações de intenções são vagas e não trazem resultados práticos, segundo autoridades que participaram das negociações. Do ponto de vista diplomático, o principal ponto é a sinalização de que os dois países querem manter colaboração no setor mineral.
Almirantes da cúpula da Marinha ouvidos pela reportagem afirmam, sob reserva, que os acordos assinados na visita de Macron ao Brasil podem favorecer as tratativas em torno da construção do submarino de propulsão nuclear Álvaro Alberto.
A França auxilia o Brasil desde 2008 na construção de uma frota de submarinos no âmbito do Prosub (Programa de Submarinos). O apoio francês, porém, está restrito à parte não nuclear da embarcação.
Na prática, foi até agora um auxílio para o design do casco do submarino de propulsão nuclear –mas não a tecnologia para acomodar o reator dentro da estrutura e fazer com que ele conecte e forneça energia até a propulsão.
O Brasil tem capacidade de fabricar o reator nuclear e até mesmo enriquecer a 20% o urânio, mineral utilizado para a geração da energia.
Sofre, porém, com dificuldades para conseguir uma série de outros equipamentos ligados à parte nuclear. São peças, bombas e válvulas que seriam usadas na turbina e no gerador, mas que não são fabricadas nem certificadas no Brasil.
Segundo a Marinha, são diversos os desafios que precisam ser superados para a construção do submarino. "A necessidade de empregarmos equipamentos e sistemas, com requisitos nucleares, não disponíveis no mercado nacional pode ser vista como um desses grandes desafios", disse em nota.
A discussão com os franceses, de acordo com uma pessoa envolvida nas tratativas, engloba a definição de um modelo de negócio que viabilize a construção desse submarino.
Os europeus resistem ao pleito brasileiro de um acordo único e defendem o fatiamento do modelo em lotes. Os brasileiros, por sua vez, aceitam negociar nesse sentido, desde que tenham garantias suficientes de entrega final e uma referência de custo total.
A resistência francesa em auxiliar na parte nuclear do submarino brasileiro esbarra no fato de o país ser signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.
Apesar de o submarino em desenvolvimento não usar armas nucleares –somente o combustível para a propulsão–, a França definiu que não iria se envolver nesse aspecto.
Na Marinha há a avaliação de que potências do Ocidente são contra o Brasil possuir um submarino de propulsão nuclear, pela melhora no desempenho que a Força obteria com o produto.
Sem contar com a resistência feita pela Agência Internacional de Energia Atômica, órgão ligado à ONU (Organização das Nações Unidas), que condiciona o aval ao submarino nuclear brasileiro a inspeções detalhadas de suas instalações atômicas –autoridades brasileiras veem na proposta risco à soberania e aos segredos industriais.
Cerca de 70% da energia gerada na França é proveniente de usinas nucleares, e o país tem dado sinais de que pretende aumentar essa fonte no âmbito da transição energética.
"O presidente Macron tem uma convicção grande disso. Ele lançou um novo grande programa de oito novas usinas nucleares –investimento de EUR 80 bilhões em 10 anos. Esse plano vai demandar 40 mil toneladas de urânio para abastecimento dessas usinas", disse o deputado Julio Lopes (PP-RJ), presidente da Frente Parlamentar das Atividades Nucleares.
Lopes é um dos principais apoiadores dos planos para o Brasil exportar urânio para países como a França e os Estados Unidos. "Os franceses perderam uma grande reserva [de urânio] do Níger, na África, depois que houve um golpe de Estado no país e se interrompeu o fornecimento".
"Então a França hoje tem uma carência enorme de urânio, e ela manifestamente tem interesse de comprar do Brasil, em razão das condições e características geopolíticas", afirmou Lopes, destacando que o país possui a oitava maior reserva do mineral no mundo.
Os anseios pela concretização de negócios bilionários com a exploração e exportação de urânio brasileiro, em muitos casos, foram barrados por questões ambientais. Em Poços de Caldas (461 km de Belo Horizonte), uma velha mina acumula milhares de toneladas de rejeitos radioativos.
Enquanto a mina esteve em operação (1982-1995), produziu concentrado de urânio para ser usado no combustível de Angra 1, em pesquisas no setor nuclear e num esquema de comércio compensado junto ao Iraque.Mas quando as atividades na mina foram encerradas, não houve descontaminação das áreas exploradas nem foram seguidos os padrões que garantiriam a preservação ambiental e a segurança das populações afetadas.