Já faz quase seis meses que Verônica Simão Antônio não vê pessoalmente sua filha, hoje com 1 ano e 7 meses. A menina foi retirada do Brasil em dezembro passado por seu pai biológico, sem que a mãe soubesse ou autorizasse, e encontrada somente semanas depois no estreito de Darién, uma perigosa selva entre a Colômbia e o Panamá.
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Inóspita, a floresta densa se tornou uma rota para migrantes rumo aos Estados Unidos. Neste primeiro quadrimestre, o número de menores de idade que a cruzaram foi recorde -cerca de 30 mil, aumento de 40% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Verônica é de Angola e chegou a São Paulo grávida de oito meses. Emigrou na expectativa de ter uma vida melhor e de obter documentos brasileiros para a filha e para si mesma -um movimento cada vez mais comum entre mulheres do país africano. Um mês depois, deu à luz.
O pai da bebê, também angolano e com quem ela não tinha mais uma relação, chegou ao Brasil em setembro passado e retomou o contato, buscando visitar a menina. Ele não está registrado nos documentos da bebê como seu pai.
"Eu permiti. Afinal, era o pai da minha filha, mas nunca imaginei que ele estivesse tramando isso", conta a mãe, vendedora autônoma de roupas na capital paulista que diz ter 23 anos -seu documento aponta 18, o que atribui a um erro no registro de nascimento.
Em um sábado de dezembro passado, afirmando querer levar a menina para um passeio no shopping, o pai buscou a bebê na casa da mãe. Ele nunca mais voltou.
Verônica diz ter estranhado o comportamento dele, por ter pedido mais fraldas do que o necessário para um dia fora de casa e roupas de frio, quando os termômetros marcavam altas temperaturas. Mas nunca imaginou que o plano seria fugir com a filha e sair do país.
Ela admite que em algum momento seu objetivo também seria ir para os EUA com a menina. "Mas de avião e com visto, que fica mais fácil quando temos a nacionalidade brasileira." Afirma que chegou a cogitar a rota por Darién, mas desistiu. "As pessoas me contaram muitas coisas, disseram que há muitas mortes."
A angolana foi a uma delegacia, e o caso foi registrado como subtração de incapaz, furto a residência e falsificação de documento. O 8º Distrito Policial, no Brás, região central de São Paulo, está com a investigação.
Além de levar a bebê, o pai se aproveitou do momento em que Verônica saiu brevemente para buscar algumas roupas limpas para a filha com uma amiga nos arredores e furtou documentos da criança e da mãe e uma quantia em dinheiro que ela diz girar em torno de R$ 9.000.
Para levá-la, ele falsificou os documentos da menina -que tinha sido registrada por um ex-namorado de Verônica- e a assinatura da mãe em autorizações para cruzar fronteiras. A polícia confirmou, pelo número de celular do pai, que ele havia atravessado a fronteira e deixado o país. Então, um alerta vermelho da Interpol foi acionado.
A bebê brasileira seria encontrada apenas no final daquele mês, ao ser deixada por imigrantes do Haiti com alguns funcionários do serviço de fronteiras do Panamá, após o grupo cruzar Darién.
Não se sabe se o pai biológico a abandonou na floresta ou morreu.
Verônica conseguiu falar com um parente do ex-companheiro, que fez todo o caminho ao lado dele desde o Brasil até Darién. Este familiar disse a ela que, a certa altura da floresta, o pai pediu que ele seguisse o caminho com a menina e que os encontraria em breve. Nunca mais foi visto, e o homem deixou a bebê com o grupo de haitianos.
Desde então, a menina está sob proteção do Estado panamenho e foi encaminhada para um orfanato nos arredores da Cidade do Panamá. A mãe, Verônica, conseguiu se comunicar duas vezes com sua filha por videochamada. Diz que na primeira ocasião a menina parecia contente. Na segunda, há poucos dias, aparentava estar infeliz.
Nesse mesmo local vive outra brasileira, esta filha de haitianos, encontrada na saída da mata, sozinha, em 2019. Recém-naturalizada panamenha, ela aguarda ser adotada por alguma família.
A presença de crianças brasileiras em Darién não é nada incomum. No mesmo dia em que chegou a bebê de Verônica, outra menina também do Brasil foi deixada por imigrantes na saída da selva, na comunidade indígena de Bajo Chiquito, com funcionários panamenhos. Essa menina também continua no país.
Em 2023, mais de 520 mil imigrantes -número recorde- cruzaram a floresta, dos quais mais de 1.150 eram angolanos. Outros 3.800 deles eram brasileiros, praticamente todos menores e filhos de imigrantes que tiveram seus filhos no Brasil, a maioria do Haiti.
Segundo os relatos dos imigrantes e de autoridades locais, as mortes na travessia ocorrem em um número muito acima do registrado pela única contagem conhecida, de um projeto da ONU, que calcula terem sido ao menos 250 desde 2022. Animais selvagens, rios de correnteza forte e gangues armadas são alguns dos fatores que colocam esses imigrantes em perigo.
Pessoas que atuam no atendimento ao fluxo migratório dizem que homens solteiros costumam ir acompanhados de menores por imaginarem que vão ter vantagens, como os primeiros lugares nas filas e porções maiores de comida -o que não ocorre. Antes de chegarem aos centros de auxílio, esses homens precisam conseguir superar a selva com uma criança, muito mais vulnerável aos riscos do trajeto.
Na semana passada, a Justiça do Panamá concedeu autorização para a bebê voltar aos cuidados de Verônica. O problema, agora, consiste em obter o dinheiro das passagens para buscar a menina. Como Verônica ainda está sem a segunda via de seu passaporte -o original foi furtado pelo pai biológico da filha-, quem irá ao Panamá será a advogada dela.
O Itamaraty, que designou um diplomata para visitar a menina no orfanato e levar itens pessoais, como roupas e alimentos, avaliava a possibilidade de arcar com o voo da volta ou pedir ajuda a parceiros como a OIM, braço das Nações Unidas para assuntos migratórios.
Na última sexta-feira (17), uma organização internacional ofereceu custear as passagens. Até a conclusão desta reportagem, no entanto, Verônica ainda aguardava para saber quando poderá voltar a ter a filha a seu lado.
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