O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ficar os próximos dias internado em São Paulo (SP), recuperando-se de uma cirurgia de emergência realizada na noite de segunda-feira (09/12), por causa de uma hemorragia intracraniana — sequela da queda em que ele bateu a cabeça em outubro.
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Na manhã desta quinta (12/12), está programada uma "complementação de cirurgia", segundo o Hospital Sírio-Libanês, com um procedimento endovascular (embolização de artéria meníngea média).
De acordo com o hospital, o presidente, que tem 79 anos, passou esta quarta-feira (11/12) "bem" e "sem intercorrências", fazendo sessão de fisioterapia, caminhando e recebendo visitas de familiares.
Na tarde de quarta, o médico de Lula, Roberto Kalil, afirmou a jornalistas que o procedimento desta quinta-feira tem "baixo risco" e é "relativamente simples".
Entretanto, há a expectativa de que o presidente só tenha alta e volte para Brasília na semana que vem.
A previsão do Palácio do Planalto até terça (10/12) era de que Lula não iria se licenciar da Presidência e continuaria formalmente no cargo. A BBC News Brasil procurou a assessoria de imprensa dele para perguntar se essa orientação mudaria com a notícia do procedimento endovascular, mas não teve resposta.
Na prática, o vice-presidente Geraldo Alckmin assumiu parte da agenda que estava prevista para Lula na terça-feira. Ele cancelou um compromisso que teria em São Paulo e voltou cedo a Brasília para uma reunião bilateral com o Primeiro-Ministro da Eslováquia, Robert Fico.
Segundo professores de direito ouvidos pela BBC News Brasil, não há regras claras na legislação brasileira sobre a substituição do presidente em caso de internação.
O artigo 79 da Constituição dá orientações vagas: "Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente".
E não há uma lei complementar regulando esse artigo.
Para o advogado Felipe Fonte, professor de direito público da FGV, a Constituição "é lacônica" sobre as situações de impedimento, deixando muito a critério do presidente como proceder.
Ele lembra que o ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a despachar do hospital durante seu mandato quando passou por algumas internações decorrentes da facada que sofreu na campanha de 2018.
"Se ele [Lula] está consciente, eu acho que ele pode escolher seguir no exercício da função, mesmo em situação hospitalar, tal como Bolsonaro fazia. Ou pode admitir que o vice-presidente atue temporariamente e solicitar o afastamento médico", afirma Fonte.
Assim que assumiu o cargo, Bolsonaro passou por uma cirurgia em janeiro de 2019 e ficou 18 dias no hospital. Na ocasião, ele tirou licença médica apenas nos dois primeiros dias, período em que passou temporariamente o cargo para seu vice, o general Hamilton Mourão.
A situação se repetiu em setembro daquele ano, quando Mourão assumiu a função por cinco dias, metade do período de internação.
Já em 2021, quando Bolsonaro foi internado de emergência devido a uma obstrução no intestino, a avaliação foi que Mourão não precisava assumir o cargo. O então vice-presidente manteve uma viagem para Angola, onde participou da Cúpula da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Acordo entre presidente e vice
Para o constitucionalista Diego Werneck, professor do Insper, a falta de detalhamento da Constituição sobre as situações de afastamento faz com que essa decisão, geralmente, seja tomada em acordo entre o presidente e o vice.
"A Constituição não regula em detalhes o que é impedimento e a gente não deveria imaginar que isso tem que ser entendido de uma forma muito abrangente", afirma.
"Então, quando o presidente está dormindo ou mesmo passando por uma operação, ele, naquele momento, não está podendo exercer a função. Mas nem por isso a gente imagina que sempre que o presidente dorme e o vice está acordado, automaticamente o vice tem poder decisório como se presidente fosse", exemplifica.
Segundo Werneck, a incapacidade por apenas algumas horas não costuma gerar a necessidade de um licenciamento formal. A situação, ressalta, pode ficar mais complexa no caso de um período mais longo de inconsciência do presidente.
"É claro que, se tiver alguma necessidade de uma decisão presidencial [enquanto o presidente estiver impedido por questões de saúde], aí vai ter que se tomar uma decisão política", nota o professor.
"E digo que é uma decisão política, porque, evidentemente, num cenário que um presidente fique inconsciente muito tempo, o próprio vice pode dizer 'olha, agora eu preciso entrar'. E outras pessoas, ministros, podem dizer 'não, peraí, o presidente não está impedido'", ressalta Werneck.
Como ocorre nos Estados Unidos?
Se o presidente dos Estados Unidos se tornar incapaz de desempenhar seu papel, a Constituição americana coloca os "poderes e deveres" do cargo nas mãos do vice-presidente.
E a 25ª Emenda, ratificada no final dos anos 60, torna esse processo mais claro.
Ela prevê que o presidente deve enviar uma carta ao Congresso comunicando seu afastamento, por exemplo, no caso de um tratamento de saúde. Com isso, o vice-presidente se torna o presidente interino.
Depois, quando o presidente está recuperado, ele precisa enviar outra carta ao Congresso avisando que está pronto para reassumir sua função.
Já na hipótese de o presidente sofrer alguma emergência que o impeça de enviar a carta, isso deverá ser feito pelo vice-presidente em conjunto com a maioria do gabinete presidencial (o que no Brasil equivaleria à equipe ministerial).
Da mesma forma, o presidente tem que enviar uma carta ao Congresso para reassumir o cargo, quando está novamente apto.
Mas, se o vice-presidente e o gabinete ministerial não concordarem que o presidente está pronto para voltar à sua função, cabe ao Congresso decidir.
A substituição temporária do comando do país já ocorreu algumas vezes nos Estados Unidos. Em 1985, quando o presidente Ronald Reagan esteve no hospital para uma cirurgia de câncer, ele colocou seu vice-presidente, George HW Bush, no comando por algumas horas.
"Estou prestes a passar por uma cirurgia, durante a qual estarei breve e temporariamente incapaz de exercer os poderes e deveres constitucionais do Gabinete do Presidente dos Estados Unidos", dizia a carta de Reagan.
Em 2002 e 2007, período em que os Estados Unidos estavam em guerras no Afeganistão e no Iraque, o presidente George W. Bush fez o mesmo com seu vice-presidente, quando foi sedado durante colonoscopias de rotina.
Já a vice Kamala Harris se tornou a primeira mulher a assumir o comando do país ao substituir Joe Biden por pouco mais de uma hora enquanto ele estava sedado realizando um exame de colonoscopia em 2021.
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