A 23ª Vara Cível de Brasília proibiu empresas de crédito de realizar bloqueio de celular de consumidores inadimplentes. A decisão também impede a empresa e seus correspondentes bancários de firmarem contratos de empréstimo com cláusula que exija como garantia o celular do consumidor e o bloqueio de suas funcionalidades, em caso de inadimplemento.
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A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra as empresas Supersim Análise de Dados e Correspondente Bancário Ltda. e Socinal S.A. – Crédito, Financiamento e Investimento. Elas foram procuradas pela reportagem, mas nenhum representante foi localizado para comentar o resultado da ação (confira abaixo o que diz a defesa no processo).
De acordo com a ação, as empresas oferecem empréstimos e utilizam o celular do cliente como garantia. Ao assinar o contrato, o consumidor é forçado a instalar um aplicativo que, em caso de inadimplência, bloqueia praticamente todas as funções do celular.
Segundo o MP, a prática -- denominada kill switche -- não é autorizada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e não há regulamentação sobre o tema.
Após a decisão, nesta terça-feira (dia 25), foram enviados ao Tribunal embargos de declaração, ou seja, um recurso com a finalidade de esclarecer contradição do processo.
Denúncia
Os autores da ação argumentaram que essa prática era abusiva e ilegal, pois o celular serviria como meio coercitivo para constranger o consumidor ao pagamento da parcela em atraso.
Para o Ministério Público e para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a prática é abusiva, e viola os direitos fundamentais de uso da internet e marco civil da internet. Na avaliação das instituições a medida também fere o direito à informação e a boa-fé objetiva e se enquadra como publicidade enganosa.
O Idec aponta ainda que as empresas praticam elevadas taxas de juros que podem induzir o consumidor ao superendividamento. De acordo com o coordenador jurídico do Idec, Christian Printes, o bloqueio dos aparelhos de celular gera ainda mais vulnerabilidade para o consumidor endividado:
“A Justiça entendeu que é um erro bloquear o celular de pessoas endividadas. A decisão é a garantia do direito à dignidade da pessoa humana, já que evita que uma situação tão grave, como é o caso do endividamento, gere ainda mais vulnerabilidade aos consumidores”, afirma o advogado.
Bloqueio seria coerção
De acordo com a decisão, o aplicativo instalado no celular do consumidor concede à instituição financeira a permissão de administrador do aparelho, de modo que possibilita que as rés bloqueiem as funcionalidades do bem em caso de inadimplência. Os clientes só poderiam utilizar os smartphones apenas para acessar configurações, contatar serviços de emergência e de assistência ao cliente.
"Percebe-se que o celular não é utilizado como garantia, mas sim como forma de coerção/constrição para forçar o consumidor a pagar a dívida. Como já destacado na decisão que deferiu a tutela de urgência, essa prática comercial se mostra abusiva, pois impede o acesso dos consumidores às funcionalidades do aparelho celular, e, consequentemente, a bens e serviços sem relação com o empréstimo financeiro, aproveitando-se da vulnerabilidade dos consumidores”, observou a juíza Ana Letícia Martins Santini.
A magistrada concluiu que, em caso de inadimplemento, cabe ao credor a utilização de instrumentos jurídicos que sejam compatíveis com a natureza da dívida assumida.
O que dizem as empresas
As empresas de crédito afirmaram a ação foi proposta sem que fosse apresentada qualquer reclamação de consumidor que a fundamentasse, "o que significa que não há interesse coletivo a ser defendido".
Elas ressaltaram ainda são devidamente cadastradas no Banco Central para exercício da atividade financeira. Além disso, avaliam que a Anatel reconheceu que o bloqueio de determinadas funções do aparelho celular não envolve o bloqueio de serviços de telecomunicações e, consequentemente, não depende de sua autorização ou regulamentação.
Argumentam que não há violação ao Marco Civil da Internet e que a SuperSim não é um provedor de acesso à internet, mas um correspondente bancário. Afirmam que não há vedação legal para concessão de empréstimo mediante a garantia de aparelho celular.
Por fim, reforçam que praticam taxas de juros compatíveis com o mercado e não contribuem para o superendividamento. Assim, consideram que está ocorrendo interferência indevida na atividade das empresas e não há danos morais coletivos no caso.
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