Que o isolamento social para evitar o novo coronavírus é fundamental, não há dúvida, conforme orienta a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas, é fato que, grandes períodos de enclausuramento – mesmo quando necessários – podem ocasionar sérios problemas psíquicos, segundo apontam estudos produzidos por renomados pesquisadores da área. Na semana de Luta Antimanicomial, o tema confinamento, que anteriormente era ignorado pela maioria da sociedade, tornou-se o assunto mais comentado pelas famílias e pela imprensa, que até o início da pandemia, pouco debatiam sobre as pessoas com transtornos mentais, aprisionados em hospitais psiquiátricos e manicômios.
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O fato é que a luta de psicólogos e psiquiatras para desospitalizar as pessoas com transtornos mentais era um assunto pouco discutido e, sempre foi um tabu para quase a totalidade da população, inclusive, alguns profissionais de saúde. Mas, em meio à pandemia do novo coronavírus, todo o planeta se deu conta de que o confinamento, quando se torna obrigatório, pelo menor tempo que seja, pode desequilibrar qualquer pessoa. Além disso, ele não contribui em nada para melhorar a psique de pessoas que têm a saúde mental comprometida, como defendia a psiquiatra alagoana Nise da Silveira, ícone da Luta Antimanicomial no Brasil, que inspirou a reforma do sistema psiquiátrico nacional.
Símbolso da luta antimanicomial incentivam produção |
Para o psicólogo Rodrigo Gluck, supervisor de Atenção Psicossocial da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), a Covid-19 obrigou a sociedade a mudar hábitos, retirando-a da circulação rotineira que comumente era feita, levando cada cidadão a sentir e vivenciar o que grande parte das pessoas com transtornos mentais experimentam há anos. “De forma abrupta, mudamos nosso cotidiano e não está sendo fácil para a maioria, porque o isolamento social, causado pela pandemia, mostra a todos o quanto é difícil viver sem contato humano, sem liberdade, sem autonomia. Estamos aprendendo na pele que isso não faz bem para nossa saúde mental”, evidenciou.
Rodrigo Gluck salienta que, assim como o luto, problemas financeiros e falta de rotina afetam o psicológico das pessoas, a Covid-19 está mostrando que “o isolamento social, a falta de contato humano, autonomia e liberdade também são fatores agravantes que contribuem para o surgimento de transtornos mentais”. A prova disso é que, há um mês, o jornal The New York Times publicou uma reportagem, que mostrou o aumento de 37% no uso de ansiolíticos por parte dos norte-americanos e, na semana passada, a CNN Brasil exibiu uma reportagem em que a ONU [Organização das Nações Unidas] já alerta para uma crise global de saúde mental devido ao novo coronavírus.
Gluck: pandemia forçou sociedade a mudar hábitos |
Diante desta realidade que se apresenta, o supervisor de Atenção Psicossocial da Sesau, faz um questionamento: “será que depois do que estamos passando, ainda vamos pensar que o melhor tratamento para os acometidos por transtornos mentais é o isolamento social? Sinceramente, espero que não! Pois como já dizia Yuval Harari [professor israelense de História], temos que tirar proveito das dificuldades e aprender com elas o que não devemos fazer em um futuro”, ressaltou.
Por esta razão, Rodrigo Gluck enfatiza que, a partir de agora, surgem mecanismos que deverão contribuir para mudar a concepção que a sociedade tem a respeito das pessoas com transtornos mentais. “Imagine mudar todo um paradigma de como a sociedade enxerga os indivíduos acometidos por esses problemas de cunho psicossocial? A superação de dificuldades está enraizada na história da luta antimanicomial e esse período difícil que estamos vivenciando não poderia nunca ser um impeditivo para realizarmos os lembretes e as ações voltadas a esse nicho da nossa sociedade. Sendo assim, que essa semana de comemoração pela Luta Antimanicomial, seja um momento para refletirmos a situação daqueles que estão em isolamento social permanente e sem escolha própria", refletiu.
Caps propriciam atividades de interação social |
Caps – E entre os mecanismos de retirar as pessoas com transtornos mentais dos hospitais psiquiátricos e manicômios, Rodrigo Gluck cita os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), criados após o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial, iniciado em 1987. Devido ao grande estigma social que as pessoas com problemas psiquiátricos possuem, esses espaços, mantidos pelas Secretarias Municipais de Saúde, representam um serviço importante de auxílio terapêutico, que ajudam os usuários a se relacionarem com o mundo.
“Além da desospitalização, já que as pessoas com transtornos mentais ficam em suas casas, na companhia de seus familiares, os Caps se configuram como espaços onde os pacientes tomam suas medicações e desenvolvem atividades artístico-culturais. Isso porque, a arte tem o poder de unir as pessoas e mostrar outras visões de mundo que a maioria delas não teriam acesso”, salientou o supervisor de Atenção Psicossocial da Sesau.
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