Texto do jornalista Carlos Madeiro, no portal “UOL”:
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“Sílvio Hermano de Bulhões, 87, poderia ter tido o mesmo destino que seus quatro irmãos mais novos tiveram: morrer ainda bebês durante as andanças dos cangaceiros pelo interior do Nordeste.
Filho dos famosos cangaceiros Corisco e Dadá, Silvio nasceu em 28 de agosto de 1935, mas se diz um sobrevivente: para escapar da morte, foi dado pelos pais com nove dias de vida a José de Melo Bulhões, conhecido como padre Bulhões, de Santana do Ipanema (AL), de quem herdou o sobrenome.
A história de Sílvio está relatada no livro de sua autoria intitulado “Memórias e reflexões de um filho dos cangaceiros Corisco e Dadá”, lançado no último dia 17 durante a Bienal Internacional do Livro de Alagoas, em Maceió, onde conversou para a reportagem.
‘Meus pais foram fantásticos. Eles terem me doado ao padre Bulhões me salvou, só estou aqui por causa disso. Sinto-me muito orgulhoso de ser filho deles’.
Professor de matemática aposentado da rede estadual de Alagoas, ele detalha as conversas que teve com sua mãe, Dadá, após o reencontro deles em julho de 1954, em Salvador, onde a ex-cangaceira já estava casada novamente.
‘Minha mãe foi a única cangaceira que existiu. Maria Bonita, por exemplo, era a esposa de Lampião. Quando havia combate, só Dadá ia, as outras mulheres se retiravam. E ela era perita em tiro, papai que era péssimo atirador’.
Corisco morreu em 1940, e Silvio não guarda qualquer lembrança. Já Dadá morreu em 1994, quando o cangaço era apenas um passado distante. Enquanto esteve viva, Silvio e Dadá conversaram sobre o cangaço e a vida deles.
Silvio afirma ter ciência que os pais ‘praticavam coisas erradas’. Mas explica que não faziam isso voluntariamente. ‘O ambiente em que viviam era assim. Ninguém vai receber uma saraivada de balas para mandar buquê de flores. Dança-se conforme a música’, diz.
‘Aceito qualquer crítica filosófica a respeito do cangaço. Mas chamo meus pais de cangaceiros, jamais de bandidos; mas respeito quem os trata desse jeito. Eles estavam fora da lei, é verdade; mas estavam fruto de uma injustiça social do mundo em que viviam. Eles não optaram, foram forçados a isso.’
Os irmãos falecidos, conta ele, vieram de quatro gravidez de Dadá entre 1931 a 1934. Nesse período, três nasceram e faleceram novos, e um acabou sofrendo aborto. ‘Desses, só eu eu vinguei e porque fui dado ao padre’, diz ele.
A vida inóspita do cangaço acabou levando Corisco e Dadá a decidirem entregar o novo filho a alguém, e evitar que a tragédia se repetisse. Foi nesse interim que o padre mandou um recado a Corisco: disse que queria criar a criança que Dadá gerava.
Os pais aceitaram e, junto da entrega de Sílvio por um portador ao padre Bulhões, Corisco escreveu uma carta relatando que só confiaria apenas nele para criar seu primogênito.
No livro, ele conta um episódio da ousadia do pai para tentar acompanhar o crescimento do filho. No dia do batizado de Silvio, Corisco estava escondido em uma serra e acompanhando, de longe, a cerimônia.
‘Santana era onde ficavam localizadas as forças policiais contra o cangaço. Ele teve muita coragem, e minha mãe diz que ele chorou.’
Bulhões considera ter tido quatro pais na vida: além de Corisco, Dadá e o padre Bulhões, chama de mãe uma mulher chamada ‘Liquinha’, que ajudou a criar em Santana. ‘Meus pais [adotivos] sempre me direcionaram para o caminho do bem, e isso é tudo.’
Silvio diz que não mantém mais contato com filhos de outros cangaceiros, mas nega ter havido desentendimentos. ‘É por acomodação deles e minha: não me procuraram, nem eu procurei eles.’
Nos tempos atuais, diz que não haveria mais qualquer para uma recriação do cangaço e critica a forma como foi alcunhada a prática de grupos criminosos de invadir cidades para assaltar bancos, o ‘novo cangaço’.
‘Eles estão agredindo a filosofia dos verdadeiros cangaceiros. Eles tinham motivo para se organizar, e quem assalta o único motivo é agredir e fazer o que vai de encontro a tudo que é legalidade. O objetivo deles é totalmente diferente’.'”
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